SAUDOSISMO

Se fechar os meus olhos ainda consigo sentir o cheiro de café novo moído na hora vindo da cozinha. As vezes, quando ventava, o aroma se misturava aos das pastagens verdes, então eu respirava fundo e tentava imaginar em qual ponto da casa eles se encontravam, um encontro e tanto!

A janela dava para a rua, e ainda deitada na cama olhando o cortinado rosa conseguia ouvir o trotar dos cavalos nas charretes; uma vez ou outra ouvia também as saudações matinais: “Bom dia cumpadi, como tem passado a cumadi Clara?”. O sol tinha vontade e força própria, não sei explicar, adentrava as frestas das janelas de madeira sempre atrevido e desaforado, não aquecia apenas os corpos daquelas pessoas, aquecia também os corações, era um sorriso mais lindo que o outro. As vezes, sentava no banquinho estacionado na calçada e fica observando todos que por ali passavam, era uma simplicidade externa e uma riqueza invejável interna. Quando passava algum carro (coisa raríssima), a poeira da estrada subia, deixava a visão embaçada por alguns minutos e tornava a baixar tomando novamente o seu devido lugar.

Lá a tecnologia era lenda e a balada era a moda de viola ao som de Zé Carreiro e Carreirinho; nas horas vagas íamos pescar traíras, bem, na verdade eu mais perdia as iscas do que pescava mesmo, mas meu pai sempre insistia: “Calma filha, na próxima você consegue, vai pegar uma traíra bem grandona” (risos), iludida voltava para casa com dois peixes fisgados pelo meu pai que atribuía o feito a mim, claro, para eu impressionar a minha mãe (segredo nosso).

Uma das minhas mais lindas lembranças, era quando sentávamos todos juntos no quintal e ouvíamos as estórias antigas da minha vó, ficávamos horas ali; ainda me lembro do som da sua risada, sempre contida, mas fazia questão de mostrar todos os dentes. Naquela época não imaginaria que sentiria tanta saudade de momentos tão simples como este; que sentiria saudade da modéstia de Vargem Grande, dos primos de quarto grau, da comida mineira, da tia Ana e do truco nas sextas à noite, enfim, dizem que os homens são feitos da memória e da saudade de simplesmente de terem vivido; a memória torna tudo eterno.