Morte em vida
A morte ronda meu imaginário a um bom tempo, porém nunca a vi de frente, olho no olho. Penso que levarei um baita susto quando realmente se aproximar de mim com cheiro de vingança e a faca entre os dentes. Não sei se estou preparado para enfrentá-la de peito aberto, mas de qualquer modo garanto que será uma batalha ferrenha, de gente grande, disto tenho uma vil certeza.
Às vezes penso que já não estou mais por aqui, que meu espírito viaja em direção a vales verdejantes e floridos em busca de novos desafios. Mas, por outro lado e pensando bem, carrego meu corpo cambaleante sem nada ter bebido por anos a fio como prova de que estou vivo. É mais ou menos como se minhas pernas me levassem para onde menos espero e minha cabeça, sem controle, deixasse que eu vagasse para o Além sem ao menos ter dito adeus aos meus entes mais queridos. Tudo isto é muito louco, é de me fazer jogar pedra na lua com o sol de meio-dia.
Sempre me pergunto: o que devo esperar de mim após a morte? Se é que ela existe de fato e de direito. Pois, morro e ressuscito uma infinidade de vezes durante o dia e a noite, tentando sobreviver neste campo minado chamado Vida. Mas nada muito sério, pois ainda não encontrei a concretude de que necessito para consolidar, dento de mim, esses acontecimentos.
É engraçado pensar, por exemplo, que já fui um ser de sete cabeças em uma outra encarnação ou até mesmo um semideus dos pobres e oprimidos. Estes vislumbres chegam a me dar arrepios na alma quando ela está em repouso. Às vezes isto me cansa, me dá tédio.
Certa vez li um poema de Manoel Bandeira que diz em uma de suas estrofes mais bonitas: “quando achava alguma coisa,/não examinava nem cheirava:/engolia com voracidade”. Acho que hoje sou assim, um bicho. Bicho de dar nojo até em pedra de beira de rio.
Mas o que me chama a atenção é o fato de que ainda não estou morto e que, dentro de mim, o que prevalesse é a vontade de já ter falecido e ressuscitado algumas vezes para poder avaliar o que existe por detrás deste muro tão enigmático.