Eu não vou ter que engolir Neymar

Ganhou, mas perdeu uma boa chance de permanecer calado. O que não é novidade. Não é a primeira vez. O que faz de bom com a bola nos pés, ele se atropela com as palavras na boca. Coisa de moleque.

Para nossa geração, que está na casa dos “quarenta”, os feitos do moleque da vila são quase insignificante. Vimos Romário fazer festa diversas vezes, dar show, resolver partidas incríveis, marcar cinco gols em uma mesma partida. Quem não se lembra da cena que correu o mundo, quando Bebeto, depois de marcar o segundo gol contra a Holanda em 1994, correu emocionado a beira do campo e com os braços esticados, como se tivesse entre eles uma criança, imitou o gesto de “ninar”, em homenagem ao filho que acabara de nascer, mostrando ao mundo a importância do significado família.

E no mesmo jogo, quem não se lembra das lágrimas de “Branco”, após o terceiro gol da seleção, correndo para a torcida, chorando copiosamente, batendo com a mão espalmada, sobre o peito, sobre o coração, emocionado e emocionando a todos que assistiam ao vivo o gesto imortalizado.

Pois é, boas lembranças. Lembranças de uma época em que futebol ainda era arte e não só um bom negócio. Um tempo em que o amor a camisa ainda falava mais forte que os milhões que atualmente recebem os jogadores.

“Vão ter que me engolir”, afirmou o capitão da seleção olímpica aos milhões de torcedores brasileiros. Como se assistir ao futebol fosse obrigatório, como se não houvesse mais nenhuma alternativa aos torcedores do Brasil, se não se prostrarem diante da TV e assistir por noventa minutos o futebol meia boca que o garoto mimado vem apresentando.

Eu não vou ter que engolir Neymar. Engulo Machado de Assis, mulato, pobre, epilético, gago; bisneto de escravos e filho de Joaquim, um pintor de paredes mulato, e de Maria Leopoldina, uma lavadeira; nascido no Morro do Livramento. Que tinha tudo para dar errado na vida, mas acabou se tornando o maior homem das letras do país, venceu pelo conhecimento e pelas palavras, que faltam ao menino que se acha “deus”, se tornou imortal.

Eu engulo Dario José dos Santos, o “Dadá Maravilha” (que não tive a honra de ver jogar), o quinto maior artilheiro da história do futebol brasileiro. Dario “Peito de Aço”, que no dia 7 de abril de 1976, pelo Campeonato Pernambucano, marcou dez vezes na goleada do Sport contra o Santo Amaro, 10 gols (coisa que nem Pelé conseguiu fazer), na vitória por 14X0.

Garoto negro, pobre, que teve uma infância difícil no subúrbio de Marechal Hermes, na rua Frei Sampaio, no Rio de Janeiro e que aos 19 anos, em razão de um furto, foi detido na Febem, onde conheceu o futebol. Sobre quem, em 1999, o jornalista Lúcio Flávio Machado editou a biografia dando o nome inicial ao Livro: Dario - o homem que driblou a vida, mas que no final foi publicado apenas como “Dadá Maravilha”.

Sobre si mesmo, Dario afirma: “Fui passando de time em time, sendo dispensado por ruindade. Na 7ª vez que fui ao Campo Grande (clube da zona oeste do Rio de Janeiro), o técnico falou: 'Você é horroroso; chuto tão mal que, no dia em que eu fizer um gol de fora da área, o goleiro tem que ser eliminado do futebol, O meu segredo foi ser humilde; eu não sabia driblar, eu não sou Pelé”. Mesmo sendo um dos maiores entre os maiores futebolistas dessa nação de gigantes, o “Dario” preservou a qualidade maior dos homens: A humildade. Coisa rara hoje em dia.

Não Neymar, eu não vou ter que te engolir. Engulo Pelé, Garrincha, Tostão, Zico, Reinaldo, Romário, Bebeto, Ronaldinho (o gaúcho), Dadá Maravilha, Rivelino, Sócrates e muitos outros que se tornaram imortais e já passaram, como todos passam na curta profissão de jogador de futebol.

Como eles você também passará, mas sua história, certamente não terá o mesmo brilho que estes que souberam, se não ser humildes e respeitar o povo brasileiro, ficarem calados e guardar para si mesmos o orgulho que você insiste em arrotar.

Troco, daqui para frente, todos os jogos da seleção em que você estiver em campo, pela leitura de um bom livro, um prazer pelo outro.

Acredite, eu não vou ter que te engolir.

Luciano de Assis
Enviado por Luciano de Assis em 22/08/2016
Reeditado em 22/08/2016
Código do texto: T5736090
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2016. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.