Frio

É mais uma noite de sexta, daquelas sem graça que fico no escuro do meu quarto com uma garrafa de vinho barato e alguns rabiscos largados pela cama. Junto do escuro, só a fumaça circula e sai lentamente pelas frestas da janela. A mente borbulha e não me deixa dormir. Seria muito fácil deitar e adormecer, sem dificuldades. Mas não, minha cabeça insiste em trabalhar freneticamente nessas situações.

São tantas memórias aleatórias que me perturbam justamente pela brevidade de cada uma delas. Nunca gostei de rotina, mas isso é diferente de dizer que gosto de coisas breves, e muito menos de pessoas assim, que chegam já pensando na hora de ir embora. Sinceramente? Gosto daquelas que chegam e não querem ir mais. Porém, ultimamente, tenho percebido que todas as relações já começam com o prazo de validade delimitado. Infelizmente.

Realmente me irrito com essa liquidez das coisas hoje em dia. Sou daqueles lentos, que aprecia cada passo e quer intensidade em cada momento e não do tipo que chega e sai sem avisar, sem dar satisfações – não entendendo isso como cobranças – sem me importar com nada ao meu redor. São algumas experiências desse tipo que tem me tornado cada vez menos esperançoso e mais carrancudo, um cara frio e estranho que eu não conhecia há um tempo.

Como daquela que me fez querer ser só dela, entrou no meu caminho como um muro e quando saiu, não passava de um tijolo despedaçado à minha frente. Não pude acompanhar os passos dela na mudança e muito menos na nova vida que ajudei ela construir. Mas tudo bem, pra ela foi melhor, a vida segue, sem problemas.

E teve aquela que tinha uma loucura parecida com a minha, tanto nos gostos quanto nos gestos e modos de agir. Tão depressa entrou e na mesma velocidade saiu. Foi breve e logo veio o “até mais”.

Vou parar por aqui, pensei. Ingênuo. Foi só uma pausa e logo veio outro sorriso pra me tirar o sono. Ah, e que sorriso, diga-se de passagem! Mas também só me tirou o fôlego por instantes, depois, acenou de longe e pareceu ter colocado uma pedra enorme amarrada em minhas pernas, puxando-me pra onde ela ia. Logo cortei essas amarras – ou pelo menos afrouxei os nós. “Agora tô livre!” Calma, não tão logo assim.

Não bastasse essas perturbações anteriores, me arrisquei novamente após um tempo. Dessa vez ia ser diferente! E foi. O trabalho foi em dobro, pois tinha ela e sua companheira, a pequena Artois. Nunca gostei de gatos, mas pra essa eu abri uma exceção. Não foi tão ruim assim, mas foi breve. Ô inferno!

Agora vou sossegar, pensei novamente. Chega de gente entrando e saindo, acabou essa zona, é hora de arrumar a bagunça deixada! Capaz! Nova tempestade, e de novo acompanhada de bolas de pelos. Ah, me fez gostar dela, daquele focinho engraçado e também dos arranhões a todo o momento. Mas foi tão breve quanto as anteriores, não passou de uma trovoada daquelas de verão, que chegam e não duram.

Enfim, acabou. Essas chuvas passageiras de verão que passaram por mim até então me mudou. Fez meus olhos se taparem para as belezas das paisagens de outono. Fez que eu parasse de sentir os fortes aromas das primaveras. Só o que fizeram foi brotar em mim uma vontade imensa de permanecer no inverno, com dias e mais dias repletos de frio. Uma frieza constante, daquelas que se instala e congela tudo a sua volta. É assim que tenho me sentido, num profundo inverno e sem a menor perspectiva de encontrar a primavera ou as demais estações. Só o frio, o gelo.

Caio Barros
Enviado por Caio Barros em 20/08/2016
Código do texto: T5733945
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