PICADINHOS EXISTENCIALISTAS-PARTE III

7--- Imensa a bibliografia “do” e “sobre” o casal-mito SARTRE & SIMONE... Reportagens, artigos, ensaios, romances, cartas, diários, memórias, autobiografias etc. etc. etc. --- Autores norte-americanos não fundamentam acusação (nada é válido), porém um casal (ele, escritor free lancer, e ela, professor universitária) escreveu livro em que declaram SIMONE DE BEAUVOIR como condutora intelectual de JEAN-PAUL SARTRE, vulgarmente dizendo, ele ‘roubaria’ as idéias dela. Se era perfeito o relacionamento de paixão sexual e intelectual, pacto de amor essencial que admitia eventuais relacionamentos por fora... nunca saberemos. Derrota conjugal? Discutível... Este livro mostra ao leitor que SARTRE era um mulherengo, atormentando SIMONE atrelado a romances com jovens, dr quem ele seria sedutor e hipnotizador. Pode ser. Grave é chamá-la de enfermeira intelectual, sempre ao lado. Em “O ser e o nada”, de SARTRE, ‘estaria’ A convidada”, de SIMONE (‘roman à clef’ - pessoas reais sob personagens fictícios), pois o escritor lera os manuscritos, apenas mudando a estrutura básica do romance concreto para o abstrato introduzindo um jargão filosófico e retórico. (Minha mulher corrige a gramática de todos os meus trabalhos, muitas vezes colabora como ‘pizza mezzo a mezzo’ e se recusa a assinar como autora independente.) Até o fim da vida, ela negou ter influenciado na filosofia de SARTRE. Comum vagas e esporádicas coincidências, afinal foram muitos anos de convívio, discutindo ideias e impressões sobre os trabalhos. // Da mesma forma, há quem veja sincera realidade em “A cerimônia do adeus”, descrição dos últimos dias de SARTRE, havendo acusação direta de ser apenas uma tese sobre a velhice masculina.

8---Intencionalmente ou não, há cartas escritas com tanto empenho e amor, que se tornaram testemunhas de uma época. “Cartas a um jovem poeta” (Rainer Maria Rilke, 1903) vão além de respostas a angústias profissionais e existencialistas reflexões ainda atuais sobre vocação literária, poesia, amor, mulher, família e outros tema. Donos da palavra sabem se expressar.. De JEAN-PAUL SARTRE, cartas divulgadas em 1986, que escrevera há décadas, anos 60, a uma jovem jornalista pernambucana, mais tarde deputada, CRISTINA TAVARES, então com 24 anos, ironicamente chamada por SIMONE DE BEAUVOIR, “o amor ruivo de Sartre”. Nas cartas, além da atração pela bela mulher, orientações filosóficas e profissionais. Há famosa carta de Graciliano Ramos ao crítico literário Osmar Mendes, membro da ABL, sobre estudo feito sobre o livro “São Bernardo”. Existem as cartas que Frei Betto escreveu durante o tempo em que esteve ‘hospedado’ na Casa de Detenção de São Paulo na década de 70, publicadas em 1977, “beleza literária incomum”, segundo o crítico Dalmo Dallari. E a correspondência amorosa do pintor Di Cavalcanti para Ivette Bahia Rocha, sua ‘partner’ amorosa durante 15 anos, divulgadas a público em 1987, publicação que gerou polêmica familiar e processo contra a apelidada Divina.

9---Em “A cerimônia do adeus”, SIMONE relata uma intimidade: que SARTRE desejava ser Spinoza e Stendhal ao mesmo tempo, daí seus romances mesclam uma ilustração literária de sua filosofia, porque para ele “todo escritor tinha que ser um filósofo”. --- “A idade da razão” contesta a moral burguesa e reflete sobre a liberdade humana (depois de “A náusea”,1938, e antes de “O ser e o nada”, 1943) - obra fundamental do existencialismo francês.

10---Trilogia “Caminhos da liberdade”, terminada em 1949, romances que /como seu teatro e ensaios/ popularizaram e difundiram seu pensamento filosófico (a posição humanista de SARTRE marca o fim da era metafísica): “A idade da razão” (livro concluído e, 1939, publicado em em 1945), “Sursis” e “Com a morte na alma”. // “A idade da razão” --- Antes de tudo, a liberdade individual: esforços malogrados de um professor de filosofia, Mathieu Delarue, 31 anos, a fim de obter dinheiro para o aborto de sua amante (na linguagem atual, namorada) Marcelle. As demais personagens, ligados entre si, fazem parte de relações difíceis e fortemente ambivalentes. Livro muito crticado. Sartre classificou a trilogia de “capa e espada”, gênero em que o herói romanesco precipita-se sobre grandes aventuras. Heróis-personagens de ”A idade da razão”: aventura intima e combate frustrado para defender confusa liberdade individual, cada aflição pessoal transformada em questão filosófica e cataclisma universal. // “Sursis” --- A palavra significa ‘suspensão condicional da pena’, adiando a execução de penas menos graves. Em setembro de 1938, o acordo de Munique, assim interpretado por SARTRE, só fez adiar a guerra que depois veio. Fatos cotidianos e corriqueiros intercalados aos históricos, diálogos simultâneos em simultaneidade espaço-temporal, véspera da mobilização geral. Mesmas personagens de “A idade da razão” - justaposição de consciências em planos que expressam vida profunda: íntimo das pessoas, o passado se mescla ao presente e contém a ação futura. Frases se interrompem para recomeçar em outra personagem e tema em ilusão de terceira dimensão

FONTES:

“Os heróis de um combate frustrado”, “Em romance, o pensamento filosófico de Sartre’, “Cartas que entraram para a estória: políticas ou amorosas, tornaram-se peças de literatura” e “Novas cenas de um casamento” - Rio, Jornal O GLOBO, 24/7/83, 2/10/83, 4/6/89 e 23/1/94.

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