PICADINHOS EXISTENCIALISTAS-PARTE IV

11---SIMONE LUCIE ERNESTINE MARIE BERTRAND DE BEAUVOIR nasceu em Paris, em uma família de classe média. Teve solida formação moral e religiosa, entrou para a Sorbonne em 1926 e formou-se em filosofia. Motivada pela acolhida e também polêmica de seu livro “A convidada”, abandonou o magistério e passou a se dividir entre literatura e viagens.

12---O final da II GM na França foi de alta produtividade e sucesso imediato, inflação cultural de olho na exportação - SIMONE publicou “O sangue dos outros”; SARTRE publicou “O ser e o nada“, “A idade da razão” e “Sursis”; juntos, o periódico “Les Temps Modernes”. // Foram rapidamente rotulados de existencialistas e tornaram-se tanto celebridades como motivos de escândalo, tudo virando notícia, cafés onde trabalhavam, roupas, táxi (existencialista tem que andar a pé?) SARTRE tentou não assumir o papel da fama, porém descobriu que uma vez famosa, a pessoa vira objeto de atenção. Eram os acontecimentos políticos e a fama, oportunidades amplas surgiram, como viagens e conferências. Ele foi o primeiro e nos Estados Unidos, país maravilhoso para os europeus (convívio em tempo de guerra), conheceu uma jovem, insatisfeita com a vida, embora com brilhante posição no mundo, e iniciaram um caso à distância que duraria vários anos. A tal mulher partilhava de suas reações, emoções, irritações e desejos - até na rua, paravam e continuavam juntos. SIMONE perguntou se ele gostava dela ou de “M” e a resposta foi: “Ela significa muitíssimo para mim, mas estou com você.” Depois ela foi à América, como se falava, para uma série de conferências e conheceu NELSON ALGREN, autor de “O homem do braço de ouro”, clássico dos anos 50, e começaram um caso intenso. SIMONE escreveu “A força das coisas”, narrativa em primeira pessoa, enraizamento da ação em Paris, angústia que o caso de SARTRE com “M”, ele indo encontrar-se com “M”, e nesse desconforto achou que haviam se tornado estranhos um para o outro. Chegaram para ele cartas sombrias de “M”, relutante, porém o novo casal passaria meses juntos, e SIMONE viajando com ALGREN; logo, “M” em nova carta decidira não vê-lo novamente. A francesa vivera com o americano apenas duas semanas, não sabia ainda o próprio sentimento, e optou por quatro meses. Amores contingentes, casuais, transoceânicos... Existe conciliação entre fidelidade e liberdade? Pior se a terceira pessoa do triângulo amoroso quisessem “mais”, eis o conflito. SIMONE atribuiu sua tensão emocional a ameaça de conflito soviético-americano e primeiros sinais de velhice. “M” queria morar em Paris; ALGREN queria que SIMONE fosse para Chicago. Fim do caso com “M”, SARTRE iniciou relação com uma MICHELLE que duraria vários anos, Talvez o sexo tenha parado entre SARTRE e SIMONE, e esta dos 44 aos 51 anos, partilhou casa com um amante, CLAUDE LANZMANN, jornalista judeu, 17 anos mais jovem. Ela justificou necessitar de uma espécie de distanciamento, sem se desentender com SARTRE - um de outro continente, outro de outra geração - o jornalista escrevia em frente à SIMONE também escrevendo e à tarde ia para a casa de SARTRE trabalhar com este.

13---“O inferno são os outros.” - SARTRE. // Ih, frase braba, mas verdade. // Peça escrita em 1944, que ainda impressiona e faz pensar - mostra de maneira muito clara este jogo de espelhos desesperador em que nossos crimes (literais ou não) são expostos a nós mesmos. Não podemos conviver com os outros: não podemos viver sem eles. // Nunca foi necessário descer ao porão do planeta para chegar ao inferno. Isso na peça teatral “Huis clos” (Entre quatro paredes). Cada pessoa encerra em si o inferno do outro. Uma a uma, três pessoas que não se conhecem /Garcin, um jornalista, Inês, funcionária dos correios, e Estelle, uma nova-rica/ são conduzidas por um criado à sua nova morada, o inferno, que -- no dia em que eu assisti, em Sampa -- não passa de uma sala com três canapés, um para cada personagem. Uma estátua de bronze e uma faca completam a cena. Aos poucos, descobrem que as luzes não se apagam porque ninguém dorme; também, aos poucos, descobrem que terão de conviver por toda a eternidade; e finalmente descobrem que cada um representa o inferno para o outro.... Porque de acordo com o pensamento sartriano “estamos todos condenados à liberdade, ou seja, nossas escolhas são livres e individuais e nos construímos através delas. Sem Deus ou código moral para nos guiar. Daí, o olhar do próximo é o nosso juiz - o nosso inferno: o inferno são os outros. // Interessante a montagem (não deve ser sempre assim em todos os espetáculos): o criado canta a ária “Nessun dorma” (Ninguém durma), de DURANDOT, antes de introduzir os novos habitantes ao inferno. O não dormir traduz perfeita e ironicamente a condição de morte do trio. FONTE: “Simone e os amores contingentes” e “Um inferno mais atual do que nunca” - Rio, jornal O GLOBO, 15/9/1991 e 10/9/2006.

F I M