VOLTANDO A DRUMMOND EM FRAGMENTOS-PARTE II

Pesquisei muito e achei um velho caderno do curso hoje chamado de fundamental, aluno paulista deslumbrado, geniozinho ambulante. Cresceu, não virou poeta, é pena........

Do autor mineiro CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE, na fase memorialista, este livro dividido em duas partes: BOITEMPO e A FALTA QUE AMA (1968).

A primeira parte dividida em Caminhar de Costas, Vida Paroquial, Morar, Bota e Espora, Notícias de Clã, Um, Percepções, Relações Humanas e Outras Serras.

BOITEMPO - memória poética: acontecimentos e sensações do tempo rural morto ressurgem integradas ao tempo vivo. No presente, poeta se revê menino e adolescente provinciano: cidade, fazenda, familiares, conhecidos, animais, coisas, chão e água, deslumbramentos, terrores e experiências - 84 poemas de palavras simples. Certa nostalgia e reconstituição do tempo histórico da cidadezinha antes do poeta.

A FALTA QUE AMA - Temas de amor e privação, penetração mais funda no sentido misterioso da vida, história individual (aqui é com ‘h’) e espaço de comunicação - dor revelada é a dor viril da consciência diante do enigma.

C O R T E S I A, o primeiro poema de Relações Humanas (lembrando: penúltima parte de BOITEMPO), texto independente, em verso:

“Mil novecentos e pouco / Se passava alguém na rua / sem lhe tirar o chapéu, / Seu Inacinho lá do alto / 5. de suas cães e fenestra / murmurava desolado: / - Este mundo está perdido! / Agora eu ninguém porta / nem lembrança de chapéu / 10. e nada mais tem sentido, / que sorte Seu Inacinho / já ter ido para o céu.”

ESTRUTURA DO TEXTO:

1--ESTRUTURA EXTERNA - composição em verso. a) Poema heptassílabo (todos os versos têm 7 sílabas poéticas) e monostrófico (constituído de apenas 1 estrofe com 12 versos ou linhas). --- b) Versos brancos, livres ou soltos (sem rima ao final dos versos, no geral). --- c) Versos 3-9-12 - rima soante ou consoante (iguais, a partir da vogal tônica) - chapéu, chapéu, céu. --- d) Versos 4 e 6 - rima toante (apenas na vogal tônica) - alto, desolado. --- e) Versos 7 e 10 - rima soante - perdido, sentido.

2--ESTRUTURA INTERNA - 1--Segmentos: a) Verso 1 - princípio do século XX. --- b) Versos 2 a 7 - o poeta transpõe o leitor para a rua e recorda um personagem da sua infância, seu Inacinho postado à janela e um costume da época antiga, tirar o chapéu para cumprimentar alguém - ainda a exclamação desse personagem se alguém não fizesse: “Este mundo está perdido!” --- c) Versos 8 a 12 - leitor é transportado ao mundo atual, em que já ninguém usa chapéu e todos têm uma expressão de desilusão total: “...e nada mais tem sentido”... - o poeta acha que foi até sorte seu Inacinho já ter ido para o céu, gozar a merecida bem-aventurança. // 2--Personagens - seu Inacinho e outro indefinido alguém. --- Ambiente - Itabira do Mato Dentro, Minas Gerais. --- Época do poema - passado e atualidade (quando poeta conta a estória). --- Fato: imaginário? Mas é perfeitamente possível. --- Concepção (ponto de vista do poeta) - “e nada mais tem sentido”.

TRABALHO NO TEXTO:

--- Semântica - estudo dos significados: cãs, palavra somente usada no plural, significa cabelos brancos; fenestra, janela.

---Sentidos de: “Mil novecentos e pouco” - o poeta situa o leitor no tempo: há quantos exatos anos trás? --- “Seu Inacinho lá do alto de suas cãs e fenestra!” - com muita autoridade em razão de sua idade (cabelos brancos) e janela alta (casa com porão ou assobradada, isto é, de dois andares) --- “Este mundo está perdido!” (não o mesmo sentido de livro perdido, que não está conosco porque não sabemos onde o colocamos) = sem salvação. --- “que sorte seu Inacinho já ter ido para o céu” - ‘ir para o céu’, expressão mais delicada que morrer - eufemismo, suavização da ideia - se ele ainda estivesse vivo, ficaria muito zangado pelo total falta de uso da modalidade ou costume antigo de se cumprimentar tirando o chapéu.

(Há casos em que “tirar o chapéu” tem um sentido global de submissão, concordância, elogio etc. “Para seus argumentos tiro o chapéu.” “Por sua beleza, tiro o chapéu.”)

---Frase que é uma critica ao modo de agir das pessoas na época moderna: “Agora que (..) tem sentido” --- ninguém mais cumprimenta ninguém, seja com chapéu ou palavra, “Bom dia” por exemplo.

---Seu Inacinho, pessoa pequena? Não obrigatoriamente: no caso, é um diminutivo afetivo, denotando carinho e respeito. Seria por certo um dos moradores mais idosos e antigos daquela cidadezinha.

F I M