Mulher Feliz
Mulher Feliz! / Silmara Retti
Quando Maria ainda era uma menininha desengonçada e cheia de peraltice, aprendeu com o mundo inteiro que para ser respeitada deveria ser dócil, feminina e extremamente frágil.Então falava manhoso, fazendo biquinho com a boca e mais parecia uma titica de galinha com seus fricotes.
Conversar sobre droga, sexo e prazer, nem em sonho! Porque mulher de família entende apenas sobre o preço da carne, se especializando em servir o maridão barrigudo e seus amigos amestrados.
Maria cresceu assim; com seus desejos reprimidos para dentro do SHOLTIEN.Não podia rir alto para não ser vulgar.Não podia ter opinião, expressão ou “tesão”.Isto são coisas de homem e somente eles podem e devem impor seus defeitos na cara de qualquer um.
O homem safado chamam de espertinho.
O homem violento,chamam de durão.
Enquanto que Maria tinha que ser um pé de couve: cega, surda e muda, plantada num cantinho da casa só para não incomodar ninguém.Quase morta.Uma Santa, usando aquelas roupas cafonas que espremem a banha para debaixo da costura, parecendo à própria criada do lar. O único desejo permitido para uma dona de casa é observar com carinho as roupas alvejadas no varal, uma a uma, formando um poema que apenas quem tem as mãos entupidas por calos consegue entender.
Apenas isto não é vida para ninguém e uma Mulher tem muito mais para oferecer e para conquistar.Por mais que Maria batesse o pé, ainda levava a fama de rebelde.
Nisso, só de pirraça, se engraçou com o primeiro tonto que apareceu na sua frente, pois na verdade queria mesmo era chispar para bem longe dali; do seu pai osso duro de roer e dos irmãos que faziam dela uma xucra, sem vida própria, nascida e criada para cuidar dos moveis e se alegrar com a novelinha das oito.
Este era o perfil da mulher de moral e a nora que qualquer mãe queria ter.E assim que Antônio passou na rua, ela caiu de boca no bonitinho indo direto para o Altar.
Tudo ia muito bem com a rotina dos bonecos e Maria logo se acostumou em ser a “Esposa do Século”.Ele trabalhava para fora e ela...Ah, ela deixava a casa um brinco!Ele se divertia com os amigos no bar e ela adorava ler fotonovelas.
Quando chegava a noite, Antônio se esborrachava no sofá, falando sobre a crise econômica e Maria protestava contra o tamanho da batata que vendiam na feira.Depois não tinham mais papo.
Poderia falar que tingiu o cabelo, que comprou um alvejante de roupa mais barato, que no domingo faria frango frito...
E numa noite comum, como tantas outras, Maria se deu um tempo para olhar no espelho; Meu Deus parecia um dragão! Dedilhou os lábios secos, o rosto maltratado e o penteado mal feito.Sentiu dó de si mesma e ao seu redor quem brilhava mesmo era o chão.Na parede tinha um retrato antigo do casal e ficou com saudades.
Alguns anos haviam passado e somente Maria não havia passado por ele.Não havia curtido; sido feliz! Não teve prazer e nem algo que lhe fizesse muito mais mulher.
Colocou os chinelos e começou a se procurar pelos cantos da casa, pelas portas, maçanetas e não encontrou ninguém. Nem mesmo Antônio, que jogava conversa fora num boteco qualquer.Tudo perfeitamente em seus devidos lugares, os bibelôs, as cortinas e o tapete.Apenas a sua alma estava deslocada do corpo, perdida e sem dono.
Começou a chorar baixinho e a chamar por um e por outro.Estava ali sozinha, com tudo que havia conquistado durante a vida (a sua vida).Estava ali com os moveis reluzentes, que já haviam feito muitos calos nas mãos. Mas, pode parar! Uma voz, de dentro para fora, dizia:
- Acorda mulher! Se dê um valor e construa a sua felicidade.
Maria teve um piripaque daqueles fulminantes.Um piripaque de esperteza! Voltou a estudar e agora tinha assuntos também, aliás, vários.
Tinha argumento, opinião, expressão e tesão.Porque Maria não conhecia a intensidade de seus sentimentos e o poder de sua energia, quando se transformava em mãe, mulher e companheira.
Maria começou a trabalhar fora, a ter o seu próprio negócio e o seu próprio dinheiro.E você pensa que Antônio ficou bravo? Claro que não. Ele se sentiu o homem mais feliz do mundo, pois reconheceu que estava diante de uma pessoa determinada, forte e que soube conquistar o seu espaço, com muita garra, determinação e jeito; jeito de mulher !
Silmara Retti