Menino Homem

Enquanto as outras crianças da redondeza reinavam pra cima e pra baixo com suas brincadeiras de arromba, lá ia o almofadinha do Adolfo, pendurado nas calças do pai, todo garboso, rindo de pura felicidade .

Quem encontrava os periquitos pelo caminho, dizia que tinham um encontro marcado com alguém de suma importância: o Papa, o Presidente da República ou até mesmo com Deus.Eles marchavam ligeirinho, rebolando a carcacinha sem piscar um olho.Parecia que eram sócios, quase empresários de sucesso internacional.

Na verdade era quase isto, pois tinha um freguês italiano, um japonês meio abaianado e também um turco que faziam suas encomendas na marcenaria do Seu Padinha.

Ele marcava tudo na caderneta para que pudessem acertar as contas no final do mês.E Adolfo era seu filho mais velho que mal conseguia desenhar o próprio nome, porém tinha por obrigação aprender o oficio num esforço de dar dó.

Então Seu Padinha ordenava o serviço, cobrando muito trabalho e dando em troca um saco de balas que só servia para tapear o moleque.

Adolfo lixava uma perna da mesa, catava os pregos que caiam no chão, ajudava a deixar as coisas nos seus devidos lugares...com tanto orgulho que já se dizia um homenzinho .

Depois quando voltavam para casa, com o dia ganho, se olhavam por rabo de olho, cúmplices numa tarefa cansativa que durou anos! Mas não pensem que Adolfo tinha qualquer regalia, não senhor.

Conversar durante a janta, era um sacrilégio.Rir alto, fazer chacrinha? Era motivo para uma coça daquelas.E assim mesmo eram felizes.

Pouco se falavam, só que bastava um gesto do pai para o menino saber exatamente tudo aquilo que estava pensando; se ele estava bravo ou sossegado.E era batata! Não tinha meio termo: o certo era certo e o errado...surra.Nada de chamego, fricote ou frescura.Carinho, para seu Padinha, significava boiolagem pura.

O pobre Adolfo rebolava miudinho apenas para não decepcionar o pai.Aprendeu com ele a falar pouco e trabalhar muito.Aprendeu também a ser honesto, íntegro e trabalhador, sendo responsável por diversas camas e mesas que vendiam por lá.

No domingo as coisas mudavam de figura porque a marcenaria fechava as portas e tinham tempo para ficar numa boa, na praça da Matriz ou no Cine Central, onde assistiam um BANG-BANG comendo pipoca como duas crianças.

Quando Adolfo completou 16 anos de idade, já sabia fazer e desfazer qualquer encomenda melhor que o próprio pai.

Tudo ia bem até que por zica do destino deu um furo daqueles, entregando o móvel errado para a pessoa errada.

Uma bobeira que foi fácil de resolver, mas na cabeça turrona de Seu Padinha aconteceu um forrobodó.

Não admitia erros.Não permitia um deslize...

Na hora fez cara feia e Adolfo tremeu por dentro.Vichê!

- A cobra vai fumar .- pensou com seus botões.

Dito e feito.Chegando em casa, na hora da janta, ordenou que colocassem todos os pratos na mesa, menos o de Adolfo; seu castigo seria o jejum.O moleque se revoltou pela primeira vez com o pai, tentando explicar que não era justo.

Ai, ai, ai! Seu Padinha encarou aquele protesto como uma maneira inoportuna e agressiva.

- Vai para o quarto e espere a coça.Assim vai aprender a não desafiar minhas ordens!

Adolfo não arredou o pé do lugar e com os olhos trincados de mágoa, suspirou entre os dentes que não era mais um moleque.E um homem não bate em um outro homem.

Pronto, a casa caiu!

Então Seu Padinha não achou outro jeito de domar a fera e lhe mandou embora dali.Que fosse cantar de galo em outra freguesia!

Para muitos sair de casa aos dezesseis anos seria uma perdição.Só que Adolfo era diferente; construiu um barraco de madeira num terreno abandonado e começou a fazer o que mais sabia desde pequeno: TRABALHAR.Passava noite e dia fazendo suas encomendas e aumentando cada vez mais a sua freguesia.Com o tempo conseguiu montar sua própria marcenaria e colocou o nome da família: Marcenaria Adolfo Becker.E tudo parecia bem, progredindo às custas do seu suor, mas faltava alguma coisa em sua vida...Um pedacinho do seu coração parecia perdido, sem volta!

Nunca mais viu Seu Padinha.O seu pai e melhor amigo.O seu Mestre! Aquele que lhe ensinou, talvez de um modo brusco a vencer na vida.A batalhar por seus ideais, a ser persistente e determinado.

Adolfo conheceu Anita e eles estavam de casamento marcado, festa arranjada, lua de mel paga, quando recebeu um telegrama muito especial.Aquela letra era conhecida, amiga, amada! Era a letrinha miúda de Seu Padinha que se dizia doente, triste e com saudades.Que agora se sentia diferente e até se dava o direito de chorar, de vez em quando, como muitas vezes fazia desde aquela noite que Adolfo foi embora.Durante anos sofreu sua ausência, com muita vontade de lhe buscar de volta.E assim aprendeu que era preciso ter tolerância com as pessoas, conversar, perdoar e pedir perdão.

Queria que Adolfo voltasse, que fosse o seu sócio novamente. Talvez assim conseguiria lavar a alma, tirar o peso do peito e assistir um Bang-Bang no Cine Central .

Sobre aquela surra prometida, ah aquela surra era coisa do passado, porque como Adolfo mesmo havia dito antes, um homem jamais bate em outro homem, e com certeza, aquele menino soube provar com dignidade o seu imenso valor, conquistando o seu espaço com a decência que somente os grandes homens possuem!

Silmara Retti

Trabalho classificado em Quarto Lugar no Concurso Internacional de Contos e Crônicas, concorrendo com quinze países.