Maria Bolacha

MARIA BOLACHA * / Silmara Retti

Um, dois, feijão com arroz.Três, quatro, batatão no prato.Este era o exercício físico mais gostoso e suculento feito por Maria Bolacha, durante o dia inteiro.O seu café da manhã era uma bela feijoada requentada na frigideira, com direito a um suco leve e natural de manga.E depois desta refeição peso pesado ela dobrava os olhos, morta de cansaço ao subir e descer a colher.

Maria Bolacha suava frio de tanto mastigar um milhão de vezes o mesmo torresmo e então já tombava em cima do próprio prato, que mais parecia uma bacia tamanho gigante. Esticava-se como um elástico no chão da sala e com o cabo da vassoura ligava e desligava a TV, mudava o canal e puxava a antena, tudo na maior categoria.

Para completar, com uma cordinha amarrada na porta da geladeira, só mexia o dedinho, só de butuca no que ia beliscar...E se a consciência pesasse, tomava uma sopinha e pronto; estava livre, leve e solta novamente!

Maria Batata tinha preguiça até de pensar.Abandonou os estudos aos quinze anos e daí por diante não fez mais nada na vida que não fosse comer. Só não comia cimento porque dava gases, pois o resto, não tinha resto.E Maria Batata vivia do que mesmo? De uma pequenina mesada, coisa miúda, que o padrasto depositava na sua conta.

Era o suficiente para um bom mercado e um final de feira no capricho.Mas ela nunca teve vaidades como as mulheres que conhecia? Não gostava de uma roupinha da moda, de um batom importado ou de uma calcinha de seda? Pra quê?! Ela não saia de casa nem para colocar o lixo na rua, de medo que as pessoas fizessem algum tipo de piadinha picante. Comer não é ruim, claro que não! Mas para Maria Bolacha era o único prazer que tinha na vida.

Ela não trabalhava, não produzia e não se gostava. Preferia ficar escondida atrás de um prato rechonchudo e que lhe fazia extremamente feliz. Então foi ficando chata, implicante e cheio de manias.

Festinha de aniversário, casamento ou churrasco familiar? Aliás, se derretia toda só de pensar que teria de sair de casa... E se o tio Toninho pifasse de vez? Como?! Comendo.

Um dia teria que enfrentar o falatório da tia Clara:

- Olha lá como engordou! Meu Deus!

Então, antes que precisasse pagar este mico, resolveu tomar uma atitude. Precisava saber da saúde de cada um de seus familiares. Ligou para Tio Bidú: ele tava saudável, vivinho da Silva! Tia Doca estava nos trinques.Tia Adelaide, tia Marieta...Então ligou para o padrasto em Santos e o pobre velhote estava meio doentinho. Caramba!

Então começou a se remoer na cama.Sentia um fogo lhe consumir por dentro, como uma torta de pimenta malagueta: - Velório a vista! - pensava.O maior problema seria dar de cara com aquele bando de gente fofoqueira, rindo pelos cantos de suas banhas amestradas.Até quando seria assim? Maria Bolacha percebeu que não se gostava e queria muito mudar de vida, mas quem poderia lhe atrapalhar? O fogão, a geladeira ou o frango assado?

Procurou ajuda indo a um médico especialista e começou uma nova vida.Mudou os seus hábitos alimentares e a maneira de passar o dia. Trabalhar fora também é gostoso.Comer e trabalhar; Comer e se divertir; Comer e ser feliz!

Ela começou a caminhar todos as tardes no calçadão com seu modelito aeróbico e agora era uma nova mulher, mais conhecida como a potranca do apartamento 105, arrancando suspiros de toda a galera.

De repente encontrou debaixo da porta, um bilhetinho estranho dizendo que o pobre tio Bidú, que tinha uma saúde de ferro, havia empacotado.Que maravilha, porque aquele era o momento de mostrar a todos a sua mais nova produção.

Agora Maria Bolacha estava preparada para este reencontro familiar tão esperado.Embalou-se em um vestido vermelho carmim tamanho P, requebrando toda a sua elegância num salto agulha.

Todos ficaram pasmos diante de tamanha formosura.

O velório foi um show! Nunca se divertiu tanto!Todas as atenções foram voltadas para ela, que havia chegado um pouco tímida, no canto da sala, porém logo caiu nas graças de um português que contava piadas ao lado do caixão. Até o pobre tio Bidú arreganhou um olho, admirado :

- Esta surpresa me matou de vez!

Maria Bolacha nunca esteve tão bem; foi a primeira a chegar e a última a apagar as luzes.Com certeza o velório do tio Bidú foi um sucesso, porque ela se superou, sentindo-se bonita, feliz e mais viva do que nunca!