Louca Varrida
LOUCA VARRIDA
Assim que Olívio se casou, deu a sorte de arrumar um emprego como motorista de ambulância, num Posto de Saúde pertinho da sua casa.
Não queria ficar muito tempo longe de Dondoca, que lhe cobria de chamegos, porque aquele bebê chorão tinha uma úlcera nervosa e, meu Deus do Céu, era um dodóizinho!
Não podia ser contrariado em nada, para não ficar vermelho, com as mãos suando e prestes a explodir feito uma panela de pressão.Não lia jornal, não queria saber das últimas notícias e cuidava daquela úlcera como se ela fosse a sua filha caçula.
Não era uma úlcera qualquer, não senhor! Era uma úlcera rebelde e extremamente mimada. Falava dela com carinho e admiração.
- Ah, esta minha úlcera é uma coisa de louco!- revirava os olhos.
Só que as pessoas acreditavam que tanto drama assim era só para não pegar o plantão da noite e este golpe ficou conhecido pelos motoristas, que achavam Olívio uma figurinha carimbada.Diziam que era liso como quiabo e meio café com leite, porque se recusava a fazer viagens longas e demoradas por causa do famoso “remedinho das dez horas ” .
Ele dizia que era um remedinho especial; que deveria ser tomado na própria casa, seguindo as seguintes recomendações médicas: de bruços, assistindo ao noticiário, com as pernas para o alto!
Naquela sexta-feira apareceu mais cedo, assobiando no quintal e já pedindo o chinelo de borracha para Dondoca:
- Vou tomar o remedinho com uma vitamina de mamão e acompanhado por um som ambiente.Pode ser Roberto Carlos, em castelhano.
Era à grande noite do campeonato de futebol e com certeza ficaria em casa, para o merecido repouso.Ele colocou o pijama de zebrinha e a pantufa do Rei Leão, acomodando-se com cuidado, na poltrona da sala.
De repente o telefone toca desesperadamente e alguém solicitou a presença do excelentíssimo motorista, no plantão das dez.
Olívio quase teve um chilique.Faltava pouco para o início do jogo e o seu “tratamento” médico não deveria ser contrariado.
- Que ira! A minha úlcera nervosa não vai me perdoar!
Mas não teve jeito que desse jeito e ordens são ordens! Olívio ficou roxo de raiva e chutando as cadeiras, foi marcar o bendito cartão de ponto, no Posto de Saúde. Já com o nome da paciente escrito num papel amassado, saiu do serviço bufando, enquanto os companheiros tentavam lhe explicar que seria uma viagem rápida.Teria apenas que acompanhar Jerusa Maria até uma Clínica Psiquiátrica, na cidade vizinha, onde ficaria internada talvez por um bom tempo.
Ela estaria levando uma mala com seus apetrechos pessoais e um familiar, que serviria de acompanhante.Mas Olívio estava morrendo de pressa e nem quis saber sobre aqueles detalhes bobos.
- Se eu for esperto, ainda volto para o segundo tempo.- mirabolava.
Como sempre foi muito afobado, estacionou a ambulância de bico na esquina, enxergando uma mocinha jeitosa, de sandália de salto e mochila nas costas. Estava abraçada com uma outra mulher, totalmente descabelada, com os olhos arregalados e de pés no chão.
- Lá está a louca varrida! – resmungou, fuzilando as duas com os olhos.
Não pensou duas vezes e fez um sinal pedindo calma a todos da rua, porque tudo seria resolvido na maior categoria.Como ele se achava um sujeito experiente e muito dinâmico, não aceitou a ajuda de ninguém.
Fingiu ser amigo, já falando mole e num golpe certeiro juntou os braços da “desvairada” para trás, cochichando em seu ouvido que tudo ficaria bem: - Relaxa, querida.A tua batata tá assando!
Faltava apenas vinte minutos para as dez horas da noite e Dondoca lhe esperava aflita, com o remedinho porreta e a vitamina de mamão.
Ele estava transtornado e não podia pestanejar. Ordenou que a “bonequinha” sentasse ao seu lado, enquanto dava um mata leão na velhinha, amarrando a coitada no banco de trás da ambulância.Ela até tentou reclamar, mas Olívio, rápido como uma flecha, lhe pregou um esparadrapo na boca.Com certeza se tratava de uma aposentada rebelde, preste a ter um piripaque fulminante!
A ambulância quase criou asas e voou pelos ares. Quando chegou na clínica, não quis nem papo.A pressa era tanta que ele mesmo fez questão de despachar “aquele pacote”, apenas lhe desejando sorte em seu novo lar.Ainda bem que era esperto porque um homem “doente” como ele precisava ser pontual com o seu tratamento de saúde e principalmente com o campeonato de futebol.
- Missão cumprida! – soltou uma gargalhada.- Vamos embora, coração.
Apanhou a mocinha bonita pelo braço e juntos suspiraram aliviados, principalmente Jerusa Maria, que com lágrimas nos olhos dava adeus para a avozinha engaiolada.Ela retocou a maquiagem, ajeitou o penteado repleto de laquê e sumiu pra bem longe com Olívio, que demorou em reparar que a verdadeira louca varrida comia pipoca no banco da frente da ambulância.