Língua de Trapo
Zulu era uma mulher verdadeiramente autêntica e sem papas na língua, nem se incomodando com todo o estrago que sua boca nervosa causava nas pessoas.E aonde chegava, montava o barraco!
Era a “fulana que tava um tambor de gorda” e a “ciclana que ficou seca demais. Depois que metia o seu pitaco venenoso, virava as costas pra galera achando a maior graça do modo “sincero” que tratava os amigos. Mas com uma amiga dessas nem se precisa de inimigos!
A verdade é uma jóia preciosa, de grande valor, porém quando jogada na cara, muitas vezes machuca.Não devemos sair por aí exibindo nossas verdades, porque cada um tem a sua e afirmar o contrário é pura mentira.
Zulu se achava no direito de interferir em tudo e de repente lá estava ela fazendo seus comentários maldosos que acabavam com a alegria do povão.Só que ninguém tinha coragem de dar um chega pra lá no seu veneno.Muitos ficavam se remoendo pelos cantos, sem entender o motivo de tamanho fuxico.Já outros faziam das tripas coração, para viver em paz com a língua da Zilú.E não pense que ela não tinha o seu deslize...Dizia-se a bacana do pedaço e não passava de uma brega de carteirinha assinada.
Nada mais cafona do que uma pessoa indiscreta que gosta de se aparecer tentando ofuscar o brilho ao seu redor, como se fosse a única estrela do mundo; uma mulher pateticamente preocupada com a história de vida dos outros por se sentir incapaz de fazer a própria história.E caçava as notícias pelo faro.
Queria Ibope, mas nota zero para o seu mau gosto.
E a batata de Zilú tava assando...Pensavam seriamente em riscar o seu nome de uma vez do mapa mundi, mas enquanto o dia da vingança estava apenas no papel, a Poderosa distribuía pitadas de intrigas, deixando a vizinhança irada.Em um minuto de prosa, conseguiu por um fim no namoro de Angelinho, acabou com a freguesia da padaria nova e fez com que Paulão apanhasse da mulher no meio da rua.
Mas o que leva tamanho prazer em assistir a infelicidade alheia? Zulu não precisava ser tão azeda assim. Tinha do bom e do melhor; um maridão apaixonado, filhos educados e uma casa enorme com uma vista linda para a vizinhança.
Numa dessas histórias mirabolantes, incluiu Juracy na sua lista negra e o seu porte de Rainha da Terceira Idade lhe incomodava profundamente.Apesar de ser costureira, Zulu podia jurar que a madame guardava algum segredo mirabolante.
Colocou na cabeça que aquela mulher era perigosíssima e a cor do seu cabelo já dizia tudo: vermelho pecado.Mais que depressa arrumou um binóculo novinho em folha, para ficar de plantão na janela, só de olho na infeliz.
Enquanto o feijão queimava, Zulu pedia a Mendonça que lhe ajudasse nas investigações.E o marido queria morrer de raiva porque sua vidinha de aposentado havia se resumido num relatório diário:
- Benzão, a vizinha ta estranha hoje...Nem levantou do sofá e muito menos ligou a máquina de costura.Parece doente!
Mais que depressa ela assumia o posto, se descabelando toda nos comentários. Ah, Juracy velha de guerra; tinha cara de picareta e ainda fazia charminho esbugalhada no sofá!
- Olha só, Mendonça.Aquelas pernas não são de costureira, não senhor.São pernas de muambeira.Repara no tamanho da coxa, misericórdia. É um tronco de jacarandá!
De repente Mendonça começou a reparar melhor, não só nas pernas de Juracy, mas também no resto do corpo.E que corpo, hein?!
O casal já não tinha mais diálogo, companheirismo ou aquele jogo de sedução. A vida deles era Juracy pela manhã, à tarde, à noite...E Mendonça começou a ficar interessado em conhecer com detalhes aquela pessoa que estava tirando o sono da própria mulher.Deveria ser alguém muito especial e os mistérios de Juracy mexeram com sua cabeça de uma tal maneira que ele mesmo fazia questão em passar a madrugada inteira com o binóculo na mão.
- Ah, danada! – resmungava, já com segundas intenções.
Logo se prontificou a colaborar melhor nas investigações, indo pessoalmente averiguar a situação.Tinha um plano fulminante: fingiria tirar as medidas para a confecção de um terno novo, pronto...E assim estaria dentro da casa da vítima, filmando todo o ambiente.Talvez Juracy fosse até procurada pela polícia internacional, quem sabe? Tinha cara de picareta.
Zulu amou a idéia. Sentou-se confortavelmente no banquinho, observando com alegria o desempenho de Mendonça.E com muito prazer, daqueles que somente as fofoqueiras de plantão conseguem sentir, pôde ver através do binóculo o maridão sendo recebido por Juracy.Pôde ver a porta se fechando, as cortinas sendo cerradas e durante uma semana não conseguiu ver mais nada. As más línguas diziam que Juracy estava costurando tão bem que conseguiu alinhavar o pobrezinho aos pés da sua cama, mas ninguém sabe e ninguém viu, porque Mendonça nunca mais voltou para contar a verdadeira história.
Silmara Retti -