Julgamento Final
Décinho e Jubinha sempre foram amigos desde a época do berçário.Dividiram as chupetas, as mamadeiras e as birras.Só que agora se diziam “mocinhos”, com seus topetes incrementados por gel.
Eles batiam as figurinhas, juntos, e viviam no maior chamego, até que por infelicidade do destino , se apaixonaram pela mesma moça .E que moça!
Deveria ter seis para sete anos, expressos num sorriso sem dentes, daquele de parar o comércio. Usava um vestidinho florido e tamancos de plástico, num rebolado mortal, merecedor de uma disputa acirrada.
Agora os dois não se falavam mais.Mudavam de calçada todas as vezes que se encontravam no meio do caminho e mostravam o “dedo do meio”, querendo arrancar os cabelos um do outro.
Então de um lado estavam os defensores de Jubinha e do outro os defensores de Décinho .E no meio a estonteante Ninica, que só faltava explodir de tanta satisfação, mas com muita classe, fingindo não saber de nada .
Resolveram marcar um duelo onde o vencedor teria “direitos exclusivos” sobre o grande prêmio: Ninica.
Seria uma luta leve, sem chutes na bunda ou tapa na cara.Tudo muito bem organizado para que não tivesse choradeira depois.
O glorioso dia chegou e toda a galera compareceu em peso, menos os dois interessados; Jubinha se fingiu de doente e Décinho inventou que havia ficado preso no congestionamento.Que palhaçada!
Nisso os amigos dos “inimigos” se reuniram e marcaram uma disputa mais moderna, sem nenhum tipo de violência: uma corrida de guaiamu.
Seria no sábado, em frente ao mangue e o boiola que desse o furo de novo, seria pendurado de ponta cabeça no poste e lhe tacariam ovo podre na cara.
Jubinha quase morreu de rir: tava no papo!
Décinho não quis falar sobre o assunto, acreditando mesmo que o melhor seria ficar de bico calado, só na manha.
Cada um pegou o seu próprio guaiamu, gordo e poderoso, que pudesse agüentar o tranco.O tamanho do bicho era segredo e ninguém podia “sonhar” em ver as feras.
Décinho saia correndo pelo quintal, puxando o coitado por um barbante, apenas para o teste de resistência física e depois colocava o bicho dentro de um balde velho, muito bem tampado para que não fugisse .
Jubinha cresceu o olho na concorrência e se borrava todo em pensar que pudesse perder Ninica por um descuido qualquer.Então resolveu dar um empurrãozinho na sorte ...
Esperou que Décinho lhe aplicasse as aulas de musculação, espiando atrás do muro e achou o lugar onde o tonto escondia o balde.Após o anoitecer foi até lá e pum, trocou o guaiamu forte e vitaminado por outro magrelo e raquítico.
Pra quê! O mangue todo estremeceu ao meio com os gritos de Décinho, que não acreditava na sabotagem violenta de que foi vítima.
Convocou até o delegado para um plantão de emergência, aonde mostraria a sacanagem, tentando descobrir o autor do crime.E o monstro do Jubinha fingia estar pasmo, com um olhar triste e fúnebre.Colocaram um caixote de madeira no canto do muro e o tribunal começou a discutir.
Fala daqui e grita dali.Numa tacada só resolveram que a culpada de tudo era Ninica, por jogar charme para os dois ao mesmo tempo .
Nisso os dois se abraçaram concordando com o julgamento final.Na verdade Ninica nem merecia tamanha briga, pois tinha nariz de periquito e boca murcha; feia que dói!
Foi uma festa e no final da tarde cada um foi para a sua casa.Eram amigos novamente e tudo parecia bem.
Que nada! Jubinha começou a ficar triste, pensativo e lá no íntimo somente ele sabia quem era o verdadeiro culpado.Uma voz muito “fofoqueira”, foi falando cada vez mais alto, e não conseguiu ficar sossegado .Ele nem dormiu direito, fritando na cama.Aquilo tudo pesava feito um tijolo na sua cabeça.
No outro dia, logo cedo, foi o primeiro a acordar Décinho.Com muita vergonha do que havia feito, pigarreou várias vezes, contando-lhe toda a história.
O crime perfeito foi para o ralo! Décinho caiu duro de raiva, lhe pregou uns tabefes e lhe colocou para correr com o cabo da vassoura.
Mesmo assim Jubinha estava feliz da vida, de bem com o mundo e com a sua própria consciência.Fez o que deveria ser feito e pronto.Estava sentindo-se muito mais leve e cantarolava pelas ruas.Talvez Decinho nunca lhe perdoasse, mas tudo bem.
Não importava que os outros pensassem dele, falassem ou criticassem porque somente a nossa própria consciência julga, absolve e liberta das grades de qualquer prisão!
Silmara Retti