Filho da Mãe
FILHO DA MÃE* - Silmara Retti
Desde que Rosália se viu sozinha no mundo, com duas mãos na frente e nada atrás, se apegou por inteiro na sua única motivação para viver: o pequeno, o catatau, o minúsculo Plíninho, que se agarrava na bainha da sua saia, com a boca aberta, no maior berreiro da Paróquia.
Tinha canela fina, barriga grande e olho gordo.
Tudo o que via, queria.E lá ia Rosália, se dobrando ao meio de tanto trabalhar para que nunca fizesse passar vontade de nada, nenhuma gula e nenhuma lombriga.Dificuldade algum deixaria Plíninho desencantado da vida, descrente do amor ou sem esperança de poder conseguir um futuro melhor.
De dia a dona Rosália era mãe e pai ao mesmo tempo.Lavava roupa pra fora e depois pendurava cada peça no varal, debaixo daquele solarão de torrar o couro.
À noite a história era outra e a pobre Rainha do Lar se embonecava com o batom vermelho e seu vestido de festa, se transformava numa dama.Dama da madrugada.
E era assim também que trabalhava para comer, fazendo hora extra aos domingos e feriados para que ela e Plíninho pudessem ter um pouco de conforto; uma televisão colorida e também uma geladeira Eletrolux, da época dos dinossauros.
Rosália fazia tudo com gosto.Era a mais conhecida da rua e a mais falada também.Só que nunca se importou com o falatório da oposição que se remoia de raiva em ter aquela “coisa” depravada e imoral por perto.Quanto mais comentavam, mais ela ralava o coco, conseguindo até abrir um crediário numa loja de móveis usados. Foi assim que conseguiu montar a sua casa com tudo que tinha direito.
O que Rosália fazia, na verdade, era do portão para fora, porque do quintal para dentro era uma mulher de muito respeito.
Ninguém podia dizer absolutamente nada a respeito da vida fácil de Rosália, por se vender para qualquer um, pois muitos também se corrompem nesta vida.
Existem os engravatados que se prostituem às claras em troca de pequenos favores:
- Ah, isto é diferente!
Claro que é, pois são os prostitutos sofisticados da elite, que apenas chamamos charmosamente de corruptos. Estes sim são chiques e muitas vezes passam desapercebidos com seus carros importados e seus ternos de luxo.E Plíninho cresceu; gordo e forte, achando mesmo que sua mãe era a mais santa de todas e quem poderia dizer o contrário?
Nem eu, nem você.Acreditava piamente que Rosália tinha um emprego de muito valor e era bem paga por isto, por aquilo e por todos os seus afazeres que lhe consumiam a saúde, as horas, os dias...Acreditava também em Papai Noel, porque nunca deixou de ganhar um brinquedo sequer.Faziam planos para ser um moço estudado, viajado e dono do seu próprio destino.Só que ele não sabia que os seus sonhos dourados custavam caro, muito caro, porque ninguém poderia lhe bancar.Somente a sua pobre mãe, que suava a camisa para conseguir lhe oferecer este direito.E um dia, quando voltava do colégio com seu uniforme impecável, foi apontado pelas ruas como o “filho da mãe”, escutando dos outros que Rosália não era somente sua.ERA DO POVO!
Plíninho ficou pasmo e o seu castelo de ilusões desmoronou.Sentiu-se perdido no seu mundo de moleque travesso e sentou-se na calçada doente de tanta tristeza.
Naquela noite ele não voltou para casa, sumindo de vez, para nunca mais voltar.Queria ir embora para bem longe dali.Para qualquer lugar que não lembrasse o rosto fingido de Rosália .
- Mentirosa, malvada, falsa!
Começou a percorrer os becos da cidade e pegou chuva, dormindo no relento.E pela primeira vez em sua vida, passou fome.Viu com os próprios olhos e sentiu com a pele toda a imundice do mundo, ali fora, distante do colo quentinho de sua mãe. Aprendeu em pouco tempo o verdadeiro sentido da marginalidade; o descaso das pessoas que iam e vinham, sem ao menos perceber a sua presença. Aquilo sim era maldade e nunca havia conhecido antes, porque simplesmente Rosália plantou flores em estradas de pedra, apenas para que seu pequeno Plíninho não crescesse infeliz.
Foi dando saudade daquela mulher, que com o peito cheio de medo e de susto, dormia na soleira da porta esperando Plíninho voltar.
E voltou! Plíninho voltou correndo de braços abertos para o seu castelo, construído com muitos, mas muitos tijolinhos de AMOR, porque sempre seria o filho da MÃE, da boa mãe, que soube superar seus próprios limites e vencer todas as dificuldades com a dignidade que somente as santas de alma possuem e têm para oferecer.