Feliz Ano Novo Novo*
O ano novo estava se aproximando e tudo parecia continuar do mesmo jeito, principalmente para aqueles que apenas aguardam um momento mágico de transformação, onde o mundo despertará, totalmente colorido e renovado.E num instante milagroso todos os povos se abraçarão, cantando um Hino de Paz!
Só que esta paz tão esperada precisa começar nas nossas casas, para depois se expandir pelas ruas da cidade, atingindo o planeta num clima de harmonia e fraternidade.
As cartas para o Papai Noel já haviam sido encaminhadas; os presentes distribuídos e as esperanças refeitas, esperando apenas o raiar de um novo ano, totalmente iluminado pelos fogos de artifício.
Diante desta comemoração majestosa, repleta de beleza e glamour, alguém continuava no anonimato dos seus pensamentos, refletindo consigo mesmo qual seria o verdadeiro motivo para se desejar Boas Festas.Talvez seria por ter adquirido um carro bacana ou aquela tevê maravilhosa que mal cabia na própria sala...Talvez por conseguir o tão sonhado terreninho na praia...Porém para Enrico nada disto tinha muito valor, porque não havia conseguido se dar de presente a presença de alguém...que estava cada vez mais ausente. Que saudades! Sua mãezinha, amiga e companheira morava num sítio bem longe dali e desde que Eurico veio tentar a sorte na cidade grande, guardava dentro do coração uma saudade infinita!
Dona Candinha apenas lhe observava através do quadro da estante e mesmo muda, lhe dizia muito.Eram palavras de conforto, nos momentos difíceis ou de entusiasmo, quando tudo parecia esmorecer.Como um anjo protetor continuava velando todos os dias de sua vida, desejando que conseguisse superar os obstáculos com sabedoria, dignidade e fé.
Nem as cartas que ela recebia todos os meses eram capazes de consolar o seu peito aflito, que queria apenas ter o filho de volta, para que juntos pudessem ser felizes só um pouquinho mais!
Só que Eurico pedia para que tivesse paciência, porque estava trabalhando muito e apenas no começo do ano conseguiria lhe fazer uma visita bem caprichada, com direito a bolo de fubá, canjica de milho e leite tirado da teta da vaca.
E ele questionava se realmente valia a pena tanto sacrifício longe da família em troca de um pouco mais de conforto.No sítio não tinha tantas modernidades assim, mas lá morava a sua felicidade.
Como sentia falta daquela vidinha simples do campo; do carinho com que Dona Candinha ajeitava a casa, perfumava os cômodos com vasinhos de flores, podava o jardim...Não conseguia esquecer o cheirinho do café quentinho coado no bule!
- Ê mãe! Aqui tudo é tão diferente!
Enquanto as pessoas faziam a contagem regressiva para a chegada do ano novo, Eurico estava triste com suas lembranças.
Um feliz Ano Novo para ele significava ser feliz de dentro pra fora; contribuindo com atitudes positivas, capazes de transformar sonhos em realidade.Suspirou dando um brinde ao raiar da esperança!
Será que aquela roupa branca, impecavelmente branca, transmitia a paz? Com certeza a sua paz não estava ali; estressado pelo trabalho excessivo, de mal humor com o buzinar do trânsito maluco, correndo contra o relógio mil vezes por dia...Risadas ou momentos de alegria, foram poucos.
Eurico começou a fazer o balanço de sua vida, como que se fosse passando rapidamente diante de seus olhos.
Um feliz Ano Novo precisa ser arrojado, feito flashes luminosos, invadindo todos os cantos do corpo e da alma, para depois se expandir numa chuva de bênçãos.Bênçãos conquistadas com o poder da transformação íntima, onde conseguimos superar os próprios limites.E ele desejava mais! Muito mais do que paz, saúde e prosperidade.Desejava ser o que realmente era; um homem matuto, que gostava de pescar lambari no rio.Para ele, isto sim era felicidade!
Então Eurico resolveu se dar um novo ano.Foi até o quarto, apanhou as malas que já estavam prontas há muito tempo e num gesto rápido e decisivo deixou tudo no mesmo lugar; a televisão de 29 polegadas, o guarda-roupa embutido, a cama de mogno maciço...As modernidades da cidade grande não caberiam dentro do seu coração, que agora só tinha espaço para outros valores.
Despediu-se dos amigos, como que se fosse demorar muito para voltar! Alguns não entenderam os verdadeiros motivos de Eurico, porém enxergaram que dentro dele um novo ano estava preste a começar.
Dona Candinha não esperava mais o regresso do filho, pois havia desanimado de tanto contar os dias no velho calendário da sala.Talvez Eurico estivesse muito ocupado com os afazeres da cidade grande.O ano novo já havia chegado há tempo e os olhos daquela mulher continuavam pairados no horizonte.
Mais um dia se acabava e enxugando uma lágrima faceira, fechou a janela prometendo para si mesma que não esperaria por Eurico.
De repente uma voz trêmula e chorosa gritou o seu nome.Ela não acreditou no que estava ouvindo; era o filho amado que regressava para o seu colo protetor, dizendo com alegria:
- Mãe,voltei pra você! Na cidade grande eu consegui ter prosperidade, mas somente aqui eu conseguirei ter paz!
E se abraçaram num momento único, porque com certeza um feliz ano novo acabara de nascer, para Eurico, Dona Candinha e todos aqueles que acreditam que um feliz ano novo não se deseja, conquista-se!
Publicado no jornal A CIDADE - janeiro 2007
Crônica classificada no concurso Grandes Escritores do Interior de São Paulo - 2007
Silmara Retti -