Emoções*

Às vezes a gente passa a vida inteira apenas se preocupando com um monte de picuinhas que não acrescentam nada de bom no nosso curriculum, porque muito mais importante que a quantidade de vida, é a qualidade ! É um conjunto de emoções, risos, amores. Tudo de gostoso que só faz bem pro corpo e pra alma.

E é tão saudável falar o que se sente, elogiar um amigo ou abraçar uma criança. Essas coisas que Seu Castilho não fazia nem matando. Só tinha boca pra reclamar e carinho só poderia ter um nome: dinheiro no bolso, pra ele e para os custos dele.

Era um homem controlado nos gestos e nos gastos! E o seu gesto preferido se resumia em bufar de raiva quando chovia ou fazia sol. Quando tinha um problema ou quando precisava inventar algum...

Pra mulher nunca disse nada de bonito e sua declaração de amor era as contas pagas, sempre em dia, com um baita carimbo em cada uma.Para os filhos não tinha palavras e por mais que lhes fizesse todo o bem do mundo, guardava pra si um momento propício para demonstrar tamanha afeição.

Poderia ser no baile de formatura, no dia do casamento ou quando ficassem mais velhos. Só que os moleques precisavam de um pai agora e Dona Berta queria um maridão pra já.

Ele não percebia tantas necessidades assim... Achava que uma geladeira repleta de guloseima, falava mais alto, o dinheiro pra feira aos sábados, o leite e o pão comprado todas as manhãs. Seu Castilho não ligava pra esses fricotes que deixam o nosso dia-a-dia no capricho. Ele achava que era um homem equilibrado e acima de tudo realista. E pensando desta forma passou momentos brilhantes em branco e preto. Não curtiu uma bobeira engraçada, um riso frouxo...

Acumulou milhões de dizeres esperando apenas o momento exato pra falar. Aí sim iria rasgar o verbo!

Iria dizer que sempre achou Dona Berta um mulherão, que amava muito seus filhos e que faria o impossível para contribuir com a felicidade de todos. Porém enquanto este tempo certo não chegasse, continuaria a ser o Môsca Morta que fazia questão em ser!

Justamente por seu Castilho se trancar de dentro pra fora, tudo ao seu redor empacava feito um burro teimoso e não conseguia seguir o seu caminho com tranqüilidade. O patrão achava que ele era um saco, os amigos não conseguiam chegar perto e a família simplesmente sumiu. Nada de tios, primos ou alguém que pudesse ameaçar o seu santo Lar.

Na verdade quem mais sofria com este pacote vazio eram as pessoas que lhe desejavam o melhor: dona Berta e os filhos. Eles davam sem receber, amavam sem nada em troca e não era justo viver assim porque não se adia uma emoção.

A maior oportunidade de ser feliz é aqui e agora . Depois já é futuro e não podemos nos iludir com o amanhã.

Até que um dia, bem cedinho, o despertador tocou e rapidamente dona Berta pulou da cama pra preparar o café para aquele Boco moco que iria se arrastar para o serviço. Mas esta rotina diária não aconteceu porque Seu Castilho continuava amuado embaixo do cobertor.

Suava frio com um febrão danado que lhe fazia delirar. Fala daqui, resmunga dali e sua vida inteira foi passando feito um filme diante dos seus olhos. Era uma vida xoxa e sem valor, tudo feito somente por obrigação e pequenos gestos de carinho não tinham nenhum sentido.

Então seu Castilho pode observar dona Berta e os filhos chorando ao seu redor, com muito medo que não conseguisse chegar vivo a lugar nenhum, principalmente no momento certo, que parecia não ter mais data exata no calendário de ninguém.

Poderia ser ali, naquele instante.

Seu Castilho não teve dúvidas e tentou falar o que nunca lhes disse. Embaraçou-se com as palavras guardadas dentro do peito a anos, porém nada que dissesse seria tão forte quanto o abraço apertado que deu em cada um deles , transformando-os numa só alma, para que pudesse fluir a verdadeira expressão do AMOR.

Publicado no jornal A Cidade - julho -2007