Deixe-me Viver
Eu estava brincando de ciranda com outras crianças no nosso jardim florido quando fui chamado para mais perto do canteiro de camélias.Sentei-me no banquinho de madeira e com o peito ofegante de alegria recebi um convite muito especial: nascer de novo!
Minha mãe era uma menininha que usava um uniforme colorido todas as vezes que ela fingia ir ao colégio.Exibia um sorriso maroto sempre que fumava escondido e um olhar inocente quando lhe perguntavam sobre os homens que conhecia na cama.Tinha um corpo bem feito e um ventre quentinho que poderia me abrigar nas noites de inverno.
Depois usaria roupinhas de tricô confeccionadas por uma avó coruja e totalmente apaixonada por mim.Nisso meus olhos profundos se tornaram rasos d’água e chorei de emoção. Uma família de verdade me aguardava em algum lugar e não poderia decepcionar ninguém.
Eu era uma boa menina e só precisava de um colo protetor, de uma canção de ninar e de uma mãe que velasse o meu sono.Em um minuto apenas planejei tudo.
Nove meses seriam uma eternidade e quando o meu choro se misturasse ao seu, seríamos amigas para sempre.
Nasceria no início do século, trazendo comigo a esperança de uma Nova Era.Poderia me tornar uma líder revolucionária, uma profissional dedicada à cura de várias doenças ou simplesmente uma criança feliz.
Respirei fundo já sentindo saudades daquele pedacinho de céu.Já havia aprendido a amar aquela mãe que seria a melhor de todas, mas ao chegar no final do gramado, onde podia observar as outras crianças acenando para mim em sinal de uma boa viagem, um tio de cabelos grisalhos segurou a minha mãozinha tremula e pediu para que eu voltasse para o nosso jardim florido.E com um olhar mais triste que o meu, murmurou:
- Sinto muito, sua mãezinha era uma criança que recusou a uma outra.Como que se fosse uma brincadeira, ela acabou de desistir de você. Talvez um dia ela consiga lhe assumir de verdade.Vamos acreditar!
Nisso abaixei a cabeça para disfarçar o pranto e segui de volta o meu caminho, já sentindo saudade de tudo que poderíamos ter vivido juntas, sonhando com um novo regresso.
* Á minha filhinha do Céu.