Coração em Festa*
Fazia uma semana que Maria Rita não conversava com ninguém da sua casa.Todas as vezes que a mãe lhe dirigia a palavra, se fazia de morta bufando pelos cantos. Completaria 16 anos no próximo domingo e exigia, com lágrimas nos olhos, uma festa de arromba.
Dona Jurema prometeu um bolinho de fubá com uma torta de palmito, guaraná bem gelada e doce de goiaba.
- Tá louca, mãe?!
Precisava ser um grande evento, muito mais produzido do que o show da Madonna.Já tinha até passado a lista dos convidados, deixando a pobre mulher de cabelo em pé.
- Abaixa a onda, Maria Rita. Acorda! Você nunca foi filha do Silvio Santos, menina.Seu pai é o Romildo, entendeu a diferença?
Que nada. Ela se fazia de boba.Convidou o time de basquete da escola, a filha do gerente do banco e a irmã da dona da academia.
- E não me venham com refrigerante do um real, hein! - fez bico de periquito.- É baixaria!
Como era difícil agradar aquela menina enjoada, meu Deus! Não tinha lhe caído a ficha que o pai era aposentado e as rendas estavam sem renda! Maria Rita só se sentia feliz quando ia fazer um lanchinho no Shopping, nem se importando com as despesas extras.
O dia do suplício estava chegando e dona Jurema suava frio de puro nervoso.Teve dor de cabeça, de estômago, de barriga!
Então resolveu reunir toda a família para explicar o seu eterno dilema.Tio Dito se comoveu todo, passando uma lista “S.O .S MARIA RITA” até na fila do banco . Venderam rifa, penhoraram a jóia da avó e fizeram um empréstimo, apenas para satisfazer os desejos da princesinha da Casanga.Depois alugaram um salão maravilhoso com piscina nos fundos e pista de dança, contratando um D.J.de Parati.
Foi o suficiente para a boneca ficar uma seda javanesa: falava baixo, sempre sorrindo e de bem com a vida.Até cantarolava no chuveiro.
Parecia que tudo estava resolvido e todos já entravam no clima do aniversário, quando o carteiro trouxe um telegrama macabro: “Morreu o querido tio DIDI ”.Esta notícia caiu feito um tijolo na cabeça de dona Jurema, que quase teve um piripaque de vez.Tio Didi era uma mala sem alça, mas merecia respeito.Morava em Minas Gerais com a família e sempre foi um avarento do caramba.Só que dona Jurema não pensou duas vezes e resolveu viajar para o enterro do falecido.
- Este tio Didi é um descarado! Morreu justo na semana da minha festa.Só ele mesmo!
Antes que Maria Rita se trincasse de raiva, a mãe deixou bem claro que sua viagem não atrapalharia de forma alguma o aniversário dourado da fofa, mesmo porque estava tudo pago.Arrumaram toda a bagagem, deixando Maria Rita à vontade para fazer o que bem desejasse.E ela ficou radiante, é claro. Comemoraria em grande estilo, sem a presença conservadora do pai e as lamúrias da mãe.
Ao certificar-se que haviam virado a esquina, dançou em cima do sofá com o rádio no último volume.
- É demais para o meu coração! IUPPIII!
De repente toda a galera já estava na sua casa, festejando antecipadamente a festa de domingo.Era de dia, de tarde e de noite! Estouraram pipoca, fritaram ovo, deixaram cair suco no tapete...
- É a festa da libertação!- gritava se balançando na antena - Vivaa!
Um dia, dois...Aquela euforia toda foi passando e o grande evento chegando.Maria Rita não conseguia mais dar aquelas gargalhadas gostosas que vinham do nada e alguma coisa estranha foi nascendo dentro dela; um sentimento pra baixo, com cara de saudades.
Nem percebeu que estava na gloriosa manhã do seu big aniversário.
Mal saiu da cama o dia inteiro e pôs a galera pra correr logo cedo, dizendo estar com dor de cabeça Deitou-se no sofá, olhando a foto da família exposta na estante da sala e abriu o berreiro.
- Ah, Papy, eu quero minha mãe!
A festa do aniversário foi um deslumbre pra todo mundo, menos pra ela que se descabelou toda, choramingando pelos cantos com o rosto borrado pela maquiagem.Não parecia feliz e no meio de tanta gente ainda se sentia só.
Maria Rita apenas conseguiu sorrir novamente quando avistou o fusquinha vermelho virar a esquina, aos trancos e barrancos, trazendo sua família de volta.Assim percebeu que ali estava o seu melhor presente e abraçou cada um deles com o peito aliviado, cheio de saudades e alegria porque somente agora o seu coração estava em FESTA.
Publicado no jornal A Cidade - abril de 2007
Silmara Torres Retti