A LAVADEIRA

Ontem, manchei com vinho uma blusa branca, da qual gosto muito.
A refeição estava saborosa, um ravioli ao molho de queijo mascarpone, coberto com shimeji. Me distrai conversando com meu marido, filho e nora, enquanto segurava a taça com o vinho, o estrago estava feito.
Hoje, logo pela manhã, levei a blusa em uma lavanderia de ultima geração, na tentativa de salvá-la.
Em poucos minutos, uma mulher de origem asiática, (creio que chinesa ou vietnamita, ou coreana, ou quem sabe tailandesa, nessa cidade há gente praticamente do mundo inteiro, então, fica difícil de saber)  em um inglês tão sofrível quanto o meu, me atendeu, e disse que, amanhã, a peça de roupa, já estará pronta, lavada e sem vestígios do vinho.

A rapidez com que fui atendida, a maneira atenciosa, me fez recordar, da Dona Aurora. Uma senhora que por muitos anos lavou as roupas para minha vó, lá na remota vila de chão de terra onde vivi minha infância.
A humilde lavadeira, chegava todas as segundas-feiras bem cedinho. E o ritual era sempre o mesmo. Minha vó, a convidava para entrar, para um dedo de prosa e uma xícara de café que parecia sempre recém coado, pois ficava sobre o fogão a lenha, dormitando em banho maria.
Desse encontro, resultava o que a psicologia moderna, chamaria de terapia. Onde, quase sempre minha bondosa vó, fazia o papel de psicóloga. Uma vez ou outra o papel se invertia, e era Dona Aurora, quem ouvia e aconselhava com seu jeito simples, a minha vó.

Lembro-me, de ver a esforçada lavadeira, quase sempre chegar, arrastando além de um par de alpargatas velhas nos pés, um semblante contrito, pensativo. E de vê-la, sair da cozinha de nossa casa, de ânimo renovado.
Já não sustentava mais o desânimo no olhar.
Mesmo com o peso da imensa trouxa de roupas que carregava em cima da cabeça, percebia-se que seguia mais leve do que quando havia chegado.

Gostava de ver minha vó preparar com a ajuda da Dona Aurora, a trouxa de roupas.
Elas iam separando as peças coloridas das brancas, para facilitar o trabalho da lavadeira, e também para contar, quantas dúzias, seriam lavadas naquela semana. 
Minha vó, dotada de um coração do tamanho do mundo, fazia isso, para poder pagar adiantado o trabalho da boa lavadeira. Pois, sabia das necessidades que a pobre mulher enfrentava, cuidando de oito filhos, com o marido ganhando muito pouco, como operário.
Junto com a trouxa em cima de todas as peças de roupa suja, iam as pedrinhas de anil, (quem se lembra dessas lindas pedrinhas azuis?) e uma ou duas pedras de sabão.
Em seguida, a valente lavadeira, ajeitava a imena trouxa, em cima da cabeça. E na mão, ia securando, uma sacola surrada, que vinha vazia, e voltava cheia de alimentos, que minha vó sempre separava para ela. 

Pelo caminho de volta, vim pensando, na coincidência: o restaurante em que derramei o vinho em minha blusa, tem o nome de Aurora, igual ao de nossa antiga lavadeira. 


(Imagem: Lenapena -Restaurante Aurora/ Williamsburg)
Lenapena
Enviado por Lenapena em 15/08/2016
Reeditado em 16/08/2016
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