O Pequeno Grande Cidadão
Aquele vilarejo esquecido do mapa e longe de tanta modernidade, tinha seus próprios costumes, e a pessoa mais importante do lugar era o carteiro, porque trazia com ele os recados de amor, saudades e esperança.Ele já fazia parte da história de cada um; o tio Oscar que se mudou para a Capital, do pai desaparecido que nunca mandou notícias ou do namorado que foi embora para sempre, deixando uma mulher apaixonada na mais profunda tristeza.
Quando Seu Vicente cruzava as ruas com sua bicicleta vermelha, a mais veloz do mundo, seu peito batia forte e suava debaixo de um calor danado.Mas cumpria a sua grande missão com dignidade!
Os cachorros corriam atrás, querendo beliscar suas perninhas tostadas do sol e depois de muito trabalho, reunia-se com os amigos da redondeza para ler em voz alta todas as novidades, transformando lágrimas doloridas em sorrisos emocionados.
Porém fazia muito tempo que na sua mochila pesada só tinha papéis de impostos e contas atrasadas.Era um povo simples e humilde, mas também repletos de sonhos.
Sonhavam com casa, comida e respeito.Queriam apenas que suas crianças não passassem fome, que aprendessem a escrever e pudessem ir á escola, para que no futuro Seu Vicente não continuasse a ser o único carteiro do lugar. Ele já estava cansado, com a vista turva e não conseguia enxergar alguém que pudesse substituir seus préstimos com a mesma dedicação de sempre.Dizia a eles que não deveriam aceitar tanta pobreza de braços cruzados e barriga vazia.
No final de todas as tardes recolhia a bicicleta para o lado da cama, dobrando a mochila no armário e se punha a matutar um jeito de trazer, além das cartas, um pouco de dignidade para aquela gente tão sofrida! Foi quando o menino Zézito bateu na sua porta logo cedo com um papel de pão amassado dentro do bolso, pedindo para que Seu Vicente escrevesse um recado muito importante para o tal de Governador.Poderia ser uma carta simples com letras miúdas e frases curtas, explicando-lhe que desejava aprender a escrever os nomes das ruas e ter um uniforme bonito, para também, um dia, quem sabe, ser um carteiro.Um carteiro de muito prestígio, como Seu Vicente.
Zézito tinha apenas onze anos e dependia da compaixão do Governador para que tivesse uma vida melhor, porém Seu Vicente era um homem matuto, de olhos bem abertos e percebeu que seria apenas uma carta sem resposta.Daquelas que vão para bem longe e não voltam jamais!
Alguns meses se passaram e Zézito esperava sentadinho no degrau da porta, mas o Governador deveria estar muito ocupado para estar lendo as lamúrias de um pobre menino que nem sabia escrever o próprio nome.Um menino que deveria ser o futuro da Nação e, no entanto, ainda era analfabeto.
Zézito andava muito triste ultimamente.Recusava-se a conversar com as pessoas numa melancolia sem fim.Nisto Seu Vicente teve uma idéia brilhante.Precisava fazer alguma coisa para aliviar o sofrimento daquele menino e ele mesmo rabiscou algumas linhas em nome do Governador, se desculpando pela demora da carta e dizendo para Zézito que na verdade era um homem extremamente ocupado, mas grande admirador da sua capacidade de progredir, confiante de que conquistaria todos os seus sonhos por si próprio. Então o menino acreditou naquelas palavras e pediu a Seu Vicente que não esperasse a boa vontade de mais ninguém, pois já havia perdido tempo demais naquela vida.
No outro dia todas as pessoas do vilarejo se reuniram embaixo do pé de manga e prometeram para Zézito que ele também seria um grande carteiro, porque ali mesmo levantariam a primeira escola do lugar, onde Seu Vicente ensinaria o alfabeto a todas as crianças.Acreditavam que a força estava dentro deles e quem quer faz, não manda recados e aquele simples vilarejo cresceu a cada dia movido pela energia de um povo que sabia e acreditava em seu imenso valor!
Silmara Torres Retti