Bem que Se quis
Desde que Carlito casou-se com Cicinha, o seu maior sonho era ter um filho menino-homem, para poder levá-lo na sauna, na capoeira e no futebol. Em qualquer lugar onde pudesse exibir o seu maravilhoso patrimônio familiar, como o legítimo Rei da Peteca.
Ficava durante horas planejando o futuro de Júnior. Sim, porque teria que herdar o seu nome e com certeza, a sua cara.
Olho preto arregalado, nariz de tucano e boca de caçapa.Provavelmente um líder político, mas se quisesse, nas horas vagas, depois das aulas de computação, judô, inglês, poderia fazer um curso de administração de empresas, só para relaxar um pouco.Júnior seria um menino prodígio e se soubesse aproveitar bem o tempo, com onze ou doze anos poderia ser presidente.Presidente?! Presidente de qualquer cumbuca.Até da escola de samba, se conseguisse.
Carlito bufava de raiva, porque na verdade o Júnior nem existia ainda.
- Que droga! Tudo culpa de Cicinha.
Todas as vezes que o marido tocava neste assunto, ela empipocava, dava chiliques e armava o maior barraco.Fazia bico e batia o pé.
- Filhos? Só trazem rugas de preocupação!
Cicinha não entendia que não era certo deixar o Júnior só no rascunho.Justo ele que seria o poderoso do pedaço e toda a humanidade jamais perdoaria o egoísmo daquela mulher ridícula que não emprestou o seu ventre para gerar o futuro .
Aliás, não emprestou, não vendeu e nem alugou.E assim o pobre Carlito se revoltou de vez.Estaria completando quarenta anos no sábado e o seu melhor presente apenas era um desejo impossível. Só de raiva, passaria a noite comemorando num boteco qualquer, falando mal de Cicinha para galera, é claro.
Nisso teve uma idéia melhor.Que boteco, que nada!
O boteco mudaria de endereço.Ia lá pra sua casa e com muito jeito, bituquinha daqui e charminho dali, criaria um clima de amor.Desta vez Júnior engrenaria com tudo.E dito e feito!Foi uma noite maravilhosa e Cicinha tomou um porre danado.Riu alto, caiu no quintal, escorregou no tomate e ...pum ! Pronto, o grande plano foi consumado e Carlito ria muito mais.
Agora era só esperar o feito.Entra mês e sai mês. O desespero de Cicinha era a felicidade de Carlito!
Ele fez até um puxadinho onde seria levantada a suíte presidencial de Júnior.Mandou trocar o azulejo da casa, o piso e até o teto.Tudo para a chegada do grande Imperador.
Foram os piores meses da vida de Cicinha , que observava sua barriga crescer com lágrimas nos olhos.Não falava com ninguém, não comia e não dormia. Enquanto o paizão se empenhava na compra do berço, das roupinhas e até do charuto .
Mas o próprio Júnior não se sentia amado e parecia perceber que do lado de fora daquela barriga, o bicho pegava.Não era o queridinho da mamãe e desse jeito não tinha graça.Foi ficando fraco e não era bem-vindo.Cicinha começou a sentir dores e corria o risco do bebê nascer antes da hora.Enquanto Carlito chorava aos pés da cama, Cicinha teve um sonho esquisito.
Um menino muito triste se despedia de sua mãe, dizendo que não seria feliz se ela também não fosse.O seu coração bateu mais forte e sentiu que era Júnior partindo, sem ao menos ter chegado.Assim ela percebeu que ali dentro estava a continuação de sua vida e não poderia deixar que se fosse num sopro qualquer.
Com lágrimas nos olhos deu um salto repentino e acariciou seu ventre, pedindo que Júnior ficasse!E ele ficou.O tempo foi passando e Cicinha começou a curtir aquela criança cada dia mais, junto com a corujice de Carlito.
Depois de quatro meses, Júnior nasceu para o mundo.Talvez não seria mais um líder político reconhecido pelo povo. O que importa? Tudo bem se fosse apenas uma criança chorona e birrenta, com os seus defeitos e qualidades, mas muito amada e ACIMA DE TUDO feliz.