Almas Gêmeas#
Num cantinho do céu, onde somente os mais apaixonados conhecem de perto, dois anjos (que não eram tão anjos assim) prometiam Amor Eterno neste caminho evolutivo que se chama Vida.
Eram namorados? Muito mais do que isto.Eram amigos, irmãos e almas gêmeas.Dessas que se descobrem no meio do povo e não se largam nunca mais.Vivem num grude só e se destacam perante as outras pessoas por possuírem uma forma infinita de amar.
A sua alma-gêmea pode estar ao seu lado.Não está? Então com certeza ela estará perdida por aí, a sua espera.
Foi assim que aquela promessa lá no céu não foi em vão.Não ficou apenas na lembrança.
O tempo passou, Euclides foi o primeiro a se casar.Com Madalena? Claro que não.Com uma outra mulher que conheceu por acaso num ponto de ônibus; fez dois ou três elogios sobre o seu cabelo e pronto, tava no papo.Casaram-se numa manhã de domingo e já na segunda-feira, quando Euclides acordou ao seu lado, se remoeu de raiva, pensando com seus botões:
- O que é que eu estou fazendo com este dragão de peruca, meu Deus?
E deste dia em diante definhou por completo, se acabando na bebedeira.Que remorso! E só de pirraça teve cinco filhos, dois netos e uma vida inteira de lástimas ao pé da Santa, pedindo mesmo que fosse embora para sempre.
Lógico, não achava graça em nada e vivia por viver, entupido de artrite, artrose e uma úlcera nervosa daquelas de cair os cabelos.
Neusa não era a mulher dos seus sonhos, mas era aquela que compartilhou casa, comida e roupa lavada.Ás vezes falava sobre política, religião e futebol.Depois, antes de dormir, ele lhe dava um beijo na testa de boa-noite e pum, roncava feito um motor.
Foi assim por bastante tempo e no fundo, lá no fundo, ela sabia que Euclides apenas lhe queria bem.
Não deixou que lhe faltasse nada e foi bom, enquanto durou.
Enquanto Neusa esteve viva, porque quando bateu as botas, era lembrada apenas nas fotos do álbum de casamento.
Euclides logo se conformou com aquela perda. Pior seria se perdesse sua carteira de couro. Nela estavam todos os seus documentos, a chave do carro e sua moedinha da sorte. Bola pra frente e quem anda pra trás é caranguejo. Alugou uma casinha em que viveram durante quarenta anos, indo morar numa pensão na beira da praia. Seria melhor assim. De tarde fazia caminhada, jogava um truco com os amigos e tomava uma branquinha no boteco do Otávio. Tudo ia muitíssimo bem até que de repente, não mais que Euclides encontrou-se no olhar perdido de Madalena , sentindo o amor renascer naquele momento. Não sabia o seu nome, da onde vinha, quem realmente era, mas tinha certeza que sempre foi a mulher da sua vida. O tempo parou. Madalena, uma senhora madura, com seus cabelos grisalhos, reconheceu aquele homem, ali no meio do povo, chamando-lhe de volta para a vida. Era solteira, aliás, solteiríssima... Nunca quis se envolver com ninguém, pois alguma coisa dentro dela pedia pra esperar. E mesmo sem saber esperou Euclides durante muitos anos. Agora ela já estava doente e sem esperança em coisa alguma. Sofrida, quase sem nada, querendo apenas um cantinho pra descansar.
Euclides e Madalena não disseram uma palavra. O olhar já dizia tudo... Haviam se reencontrado nesses muitos desencontros que a vida nos dá. Ele aconchegou-se ao seu lado... Ela sorriu. Ele tentou lhe falar sobre o que fazia ou quem era, mas não precisou. Lá dentro do seu coração Madalena lhe conhecia de verdade. Pra que falar sobre o passado? Pra que relembrar o que fizeram, se tinham toda a eternidade pra ainda fazer?
Ele segurou suas mãos, um pouco tímido e a convidou para seguir. Pra onde? Para este caminho sem fim, guiados pela luz divina e amparados pelo amor eterno, que somente as almas gêmeas sentem, cativam e buscam.
Publicado no Jornal A Cidade - junho de 2007 -