Meu Pai, nosso Pai ...
Meu Pai, nosso Pai ...
aos meus queridos irmãos e a todos aqueles que tiveram a oportunidade de se deixarem tocar pela presença deste homem e, em apologia à minha querida mãe, que por vezes comenta referindo-se a mim ; - “ ela é toda do pai dela ...“ E aos amigos que gostam de ler textos um pouco longos ( risos)
“A vida é para quem voa, correr é se arriscar”
( nota caderneta de poemas de meu pai 1940)
Pai, na solidão, no escuro da noite, quando o medo infantil é cruel estiveste presente com teu carinho encorajador. Tiveste a empatia e atitudes necessárias, cruciais, quando das enfermidades no tenro estado da vida, porque compreendia as fragilidades humanas, buscaste conhecimento e a tudo estava atento. Esta qualidade estendeste além dos teus o que o tornava ainda mais admirável aos meus olhos!
Pai, depositaste confiança, estimulaste a ousadia, semeaste valores. Proporcionaste o melhor que uma criança pode desejar desde o Balanço junto a linda sala de brincar, jardim, pátio, um adorável pomar, o carrinho que construíste, os passeio de barco, a natação, as pescarias...
Foram tantas aventuras, piqueniques, viagens que nos colocavam de encontro com a diversidade cultural, proporcionando experiência para a formação do caráter.
Deixava-nos a vontade estimulando-nos na socialização e proporcionando-nos a escola da vida antes de entregar-nos às instituições escolares.
Pai, me ensinaste a rir de mim mesma, a jogar com as adversidades e ver um lado lúdico nos desafios, sem deixar de lado o senso de responsabilidade
para com meus atos, ou seja a ver por diversas perspectivas determinadas situações.
Pai, foste amante da boa música, do silêncio e das escutas essenciais, bem como das Artes Cênicas,Visuais, da natureza... Portanto contigo aprendi a escutar, enxergar
desenvolver a capacidade de observação, de pensar, refletir e porque não de incluir de Meditar de fato!
Pai, me estimulaste a ousar, dando-me as condições necessárias para produzir minhas próprias asas, com paciência e persistência!
Sim , o melhor de ti levo comigo e, é o que me dá força para perseverar na singularidade e na construção do ser em detrimento do possuir; reter, aprisionar... Contigo me iniciei no caminho do Tao, a compreensão do princípio do vazio... e, o facilitaste apenas sendo.
Certamente teu maior legado foi o desprendimento a segurança no ser sendo , nos devires!
Foi desfrutando tua vida e saboreando, com refinado paladar, tua existência que não só a mim, mas a muitos inspiraste.
Nada é pior para os filhos que pais que se privam de desfrutar de sua própria existência e de buscar a auto realização. Pessoas que se anulam em função dos filhos e ou parentes, por não possuírem a dose necessária de amor próprio , tornam-se pessoas tóxicas consequentemente pais tóxicos.
“ quanto menos você tem ( acumular)
mais leve você fica,
mais alto você voa
mais longe você vê !”
Quando ouvi estas palavras de um amigo paulista,descendente de imigrantes Japoneses , uma cultura que admiro imensamente, e conheci no MT; o Engenheiro Agrônomo Edsom Yroshi , imediatamente encontraram ressonância em mim , creio devido o
introjectado na infância.
E remeteu-me que a omeostase ( auto regulação) nos é fundamental para o bem estar e é um estado que independe de bens materiais e é reconquistado através do contato afetivo saudável, o que inclui vivências junto à natureza...
Pai, tua amabilidade enraizou a carícia essencial em mim e
é esta que me nutre e, faz com que eu seja amável comigo mesma, tenha um superego menos rígido, severo , e me capacita às escolhas nutritivas; salutares agenciamentos; alegres e restauradores encontros!
Foste um homem digno de atitudes e de poucas palavras, mas sabias usá-las com grande sabedoria, quando as julgava necessárias.
Um momento marcante foi quando por volta de meus dois anos de idade (1*) Estávamos ele e eu passeando na Av. Emancipação, litoral sul, Tramandaí, e ele me comprou um balão de gás.
Este me escapou das mãos rapidamente, sem dizer nada, ele comprou outro e, desta vez atou-o em meu dedinho indicador.
Mãe, por isto eu “ sou toda do pai!”! ele não me repreendeu, gerando sentimento de culpa, tampouco percebi qualquer expressão que evidenciasse desaprovação de sua parte. Ele soube tratar-se de uma nova experiência para mim.
Outro; meus pais e irmãos ( Regina e Silmar) estavam à mesa almoçando e, eu trepada na goiabeira. Havia uma grande janela entre o pátio e a cozinha de onde meu pai me observava. Creio que me chamaram à mesa e ao descer da árvore fiquei pendurada pelos tirantes da saia xadrez, rosa antigo com tom de café com leite de vigela! (1*) . Meu pai esboçou um sorriso encorajador e divertido e deixou-me resolver por mim mesma o problema e desta forma depositava confiança em minha capacidade e independência. Saí-me muito bem e fui almoçar. (tinha entre quatro e cinco anos de idade)
Concluindo meu pai foi um homem maduro, esclarecido, generoso, correto, não perfeito, porque nenhum é! Assumia seus erros e os tentava compensar e, como deveriam ser os pais desempenhou satisfatoriamente seu papel; entre eles o de colocar limites, intruir, apoiar, estimular e amando nossa mãe foi capaz fazer o corte essencial da mãe com seu bebe.
Teve no entanto um só defeito ter sido tão especial, o que me tornou bastante exigente,afinal é difícil encontrar homens que reúnem múltiplas inteligências e ainda mais pessoas que se destacam por estarem à frente de seu tempo; tinha visão sobre ecologia, educação além de ser sociável, era uma pessoa cosmopolita.
Totalmente a favor da independência feminina e, que no seu entender incluía que toda mulher “ deveria” aprender a dirigir veículos automotores , o que lhe facilitaria o ir e vir.
Em 1935 ensinou uma professora, solteira de uma cidade interiorana a dirigir motocicleta , provocativo também era, como todas pessoas inteligentes e bem humoras!
Construiu para sua primeira filha , Regina minha irmã um carrinho, com pedais, que ela passou seus ensaios de motorista com menos de dois anos de idade o que fizemos também meu irmão e eu além de brincar com os convencionais triciclos, etc .
Uma de suas pérolas recordou-me meu irmão em 1979, acompanhando-me num momento de extrema dor;
– “ lembra o pai dizia que quando
a ferida dói mais é porque está cicatrizando ?”(3*)
Teria muitas história, inúmeras lembranças decisivas
na construção da minha subjetividade e em minhas escolhas consequentemente, mas por hoje a intenção foi
registrar mais um capítulo de nossa convivência em tão bons tempos e deixar escrito para que os que virão saibam um pouco de seus antepassados.
Notas -
1- tenho noção da idade que tinha porque na época veraneávamos 30 dias em Hotel, para que minha mãe pudesse gozar de férias também, mais um notável respeito e generosidade da parte dele.
2- Vigela, tecido macio e de bonito caimento, lembro porque me sentia muito livre com esta vestimenta e é uma característica minha lembrar de minhas roupas da primeira infância, sempre gostei de tocar , experimentar texturas!
3- Provavelmente ele tenha dito ao meu irmão na ocasião em que, pelos meios convencionais estava sendo impossível matar a larva migrans cutânea, “ bicho geográfico” , instalada no seu pé na praia. Nosso pai sanou o problema utilizando o frio intenso do extintor de incêndio. Esta cena é uma entre outras , muito viva na minha memória, eu devia ter menos de quatro anos de idade.
http://www.recantodasletras.com.br/cronicas/5728336
crônica autobiográfica a partir dos versos Pai de agosto 2010 Publicados em - Eventos AVSPE Dia dos Pais e no
meu Recanto das Letras
http://www.recantodasletras.com.br/poesias/3143993