Os alguéns que esbarram nosso caminho
“Está na hora você encontrar alguém!”. Essa frase poderia ser facilmente endereçada a mim num almoço de domingo em família, ou das vizinhas que parecem querer viver a sua vida por você de tanto que se importam ou mesmo numa conversa, entre risadas e vinho, de alguma amiga preocupada demais com a minha “eterna solteirice”. Dessa vez, no entanto, essa frase não foi direcionada a mim, mas ouvi-a, no ônibus, numa conversa entre duas adolescentes que não poderiam ter mais que 14 anos. Não pude deixar de rir. Quer dizer que se já estava na hora daquela menina de 14 anos encontrar alguém, nem posso imaginar o que a sua amiga diria para mim, que no auge dos meus 20 anos não tenho um namorado.
Enquanto caminhava para o meu trabalho, fiquei relembrando essa frase. Quantas vezes já não a ouvi? Não tantas quantas a que aquela menina irá ouvir ainda. Pois diferente aquela menina, a minha vida sempre foi uma divisão de opiniões conflitantes. Meus entes mais próximos sempre foram taxativos que eu não deveria me apaixonar. O amor era algo que não poderia fazer partes dos meus planos. Eu deveria estudar e focar no meu futuro. Deve ser por isso que a minha adolescência foi recheada de livros. Sempre fui fascinada por romances, mistérios, história e música. Sou uma romântica incurável, mesmo que durante muito tempo eu tenha escondido esse lado, vestindo-me de indiferença.
Mas não estou colocando a culpa de não ser namorável em ninguém, pois eu me acomodei aconchegantemente nessa situação por um bom tempo, por sempre evitar emoções. Mas o tempo foi passando, e as opiniões foram mudando. Meus familiares, sobretudo minha vó, sempre me inquirindo se não estava na hora de arrumar alguém (como se eu pudesse ir numa loja e escolher, como se escolhe uma roupa). Esse pensamento era decorrente de sua criação, em que a mulher era preparada a vida toda para o casamento (e o amor). Essa ladainha até hoje me persegue. Essa frase já foi repetida no mínimo um milhão de vezes. Já fiz o tipo que ligava, já fiz o estilo “tô nem aí”. Dependendo do momento e do meu humor, doía ou apenas me arrancava gargalhadas. Mas verdade seja dita: a gente sofre uma pressão desesperadora para namorar alguém.
Eu já encontrei alguém. Eu já pensei que era cara certo, já achei que era o cara errado, mas por teimosia, decidi apostar mesmo assim, só para quebrar a cara. Já achei que era amor, mas não era – nem para mim mesma. Eu coleciono grandes amigos, esbarro de vez em quando em amores platônicos e flertes casuais que foram acrescidos na minha história, mesmo que depois eu tenha descoberto que nem tinham tanta importância.
Eu encontrei “alguéns”: o menino que era meu melhor amigo e foi embora; o meu grande amigo que achou que me amava, mas no fundo descobriu que só era amizade; aquele que se apaixonou por mim, todavia eu não me apaixonei de volta; o cara que apareceu do nada e me fez sentir coisas que eu não deveria sentir. E aí, depois de todos esses alguéns, eu descobri que eu simplesmente estava procurando o alguém errado.
Não estou dizendo que todo mundo deva adotar a solteirice como modelo perfeito de vida. Não estou construindo um discurso exaltando a solteirice. Seria um clichê mal feito. Estou apenas tentando dizer que não existem modelos perfeitos de vida e muito menos fórmulas mágicas de felicidade. Cada um deve procurar a sua felicidade da forma que o fará muito feliz, sem, claro, estragar a dos outros. Por isso, não é porque você namora e é feliz que sua amiga solteira só será feliz namorando também (viu, queridas amigas, ser sozinha não necessariamente significa solidão e infelicidade).
Namorar é legal, ok, não digo o contrário. Faz com que cresçamos muito. Aprender a lidar com os outros é uma das coisas mais bacanas da vida. Sentir o frio na barriga, as pernas tremerem, a voz falhar, os sorrisos bobos. Mas ficar sozinho, se olhar no espelho sem se desesperar e aprender a lidar com si mesmo, para mim, pelo menos, é o verdadeiro sinal de que a maturidade está chegando. Aproveitar a própria companhia e se conhecer, para assim, se amar verdadeiramente é uma lição de grande valor.
Se eu pudesse, voltaria naquele ônibus, para talvez dizer para aquelas meninas que realmente deveriam lutar para encontrar alguém. Deveriam se interessar em descobrir do que ela gosta e desgosta, o que esse alguém quer fazer, até aonde esse alguém quer chegar, quais seus planos e medos, o que espera da vida. Eu diria para elas, talvez, que quando elas se conhecesse de verdade, as coisas se tornariam mais fáceis e leves. Talvez, se eu voltasse no tempo, eu só dissesse: “É, está na hora de encontrar alguém .... e esse alguém é você mesma.” (Talvez isso soasse como uma velhinha dando conselhos, que elas provavelmente nem escutaria, mas que com o tempo iriam aprender). Porque quando a gente se encontra, esses alguéns que esbarram em nosso caminho se tornam um baita de sortudos e a gente também.