A Mala Perdida #
Zuleika não tinha um pingo de paciência com a sua tia aposentada e tudo nela lhe irritava profundamente.Tá certo que era uma boa mulher, muito honesta e prestativa com a família, mas falava pelos cotovelos e reclamava da própria sorte o dia inteiro.O seu assunto preferido era o colesterol, o reumatismo e a cãibra que sentia nas pernas todas às vezes que voltava do forró do Alonso.Só que de repente, assim do nada, tia Dodoca deu uma sorte num sorteio da Paróquia e ganhou de cara uma viagem com acompanhante para Aparecida do Norte, com direito à torta de sardinha e refrigerante diet.
Nisso todo mundo sumiu do mapa, apenas para não lhe fazer companhia naquela cilada, restando apenas a sua sobrinha preferida: Zuleika.
Que dor de dente! Tia Dodoca apareceu logo cedo com as passagens na mão, chorando rodelas de cebola.
- Você vai viajar com a titia, Zuzu? Por favor, diga que vai.
E antes mesmo que pudesse dizer um NÃO bem redondo, ela fez uma lista, descrevendo em detalhes o seu estado de saúde delicadíssimo.Talvez não estaria viva no próximo final de semana e com certeza a sua consciência não perdoaria tamanha desfeita.
Pronto, bingo! Zuleika, mesmo bicuda, arrumou as malas impecavelmente como tia Dodoca exigiu e partiram para a rodoviária antes que o dia clareasse.A menina não se conformava em ter que carregar quilos de muamba.Numa sacola tinha a blusa de lã, o gorro de tricô, o moletom vermelho...Na outra; a camiseta regata, a bermuda florida e o par de chinelos...E pra matar a pau mesmo, ainda trazia um pote de frango com maionese, só para beliscar no caminho.
O ônibus deu partida, enquanto tia Dodoca, toda deslumbrada, tirava mil fotos do lugar.Após duas horas de viagem, o motorista resolveu parar numa cantina para um lanchinho básico, bem reforçado.
Zuleika sentia muita vergonha do seu jeito caipira, preferindo ficar bem longe, como se fosse uma desconhecida.E aproveitando ao máximo o deslumbramento da tia, fez questão de se esconder dela, atrás da mureta do toalete.
- Que mico! – pensava - Tia Dodoca é um desenho animado!
Estava tão preocupada em armar um plano para se livrar da própria tia que não percebeu o destino daquele ônibus que saia do terminal, e correu afobada, tentando lhe alcançar.Rapidamente sentou-se na primeira poltrona, ainda com o copo de refrigerante na mão e quando olhou para os lados, cadê? Tia Dodoca não estava sentadinha no mesmo lugar, com aquela cara de paisagem que somente ela tinha igual...
- E agora? Perdi a mala sem alça! - resmungou.
Ela havia evaporado com todas as malas, as muambas e principalmente com o precioso pote de frango com maionese! Decerto estaria perambulando em algum lugar do mundo, sem destino certo, perdida e desmiolada...Zuleika soltou um grito de desespero: por onde estaria vagando tia Dodoca, hein??! Levantou-se feito um raio certeiro, exigindo que o motorista parasse o ônibus na mesma hora e gaguejando muito, de puro nervoso, explicou á todos o sumiço da mala sem alça, chamada de tia Dodoca.
- Ela deveria estar plantada aqui nesta poltrona, com os seus apetrechos de viagem, mas...sumiu no ar! – explicava á todos.
Foi pensando no seu jeitinho caipira, na sua carinha de fuinha, nos seus olhos de coruja assustada...e por um instante lembrou-se também de tudo que a tia esquisita havia lhe proporcionado de bom; o passeio no parque quando ela ainda era uma garotinha, o jeito amoroso com que lhe ajeitava os cabelos embaraçados pelo vento, a voz rouca e cansada...
- Que saudades de tia Dodoca! – gritava, totalmente descabelada.
Sentiu que acima de todas as suas lamúrias, ela era uma pessoa muito especial e não queria perder a tia na estrada, feito uma Maria Ninguém, vítima do descaso de uma sobrinha ingrata.Ainda dizia:
- Ela é uma mulher desde tamanhinho assim, mas alegre, falante, extrovertida, bacana e maravilhosa! Quando eu tenho febre, ela costuma passar a noite comigo, cuidando de mim.Ela sabe fazer um chá de camomila que é uma beleza...É a única que adora me levar ao médico, todas ás vezes que fico doente. É uma mãe para mim.Ninguém viu tia Dodoca?
Debruçou-se na poltrona do ônibus e chorou copiosamente, enquanto tentavam lhe consolar, também com lágrimas nos olhos.
Até que de repente, ao olhar para o lado de fora, pôde perceber aquela pessoinha familiar ainda sentada na varanda da cantina, saboreando lentamente uma coxa de frango com maionese, sem entender o vexame que Zuleika estava dando após entrar no ônibus errado.
- Tia Dodocaaaaa! Não se mexa, me espera aí, querida!
A galera delirou, aplaudindo de pé o carinho da sobrinha com a própria tia.
- Isto que é amor! Coitada, a pobrezinha entrou no ônibus errado e pensou que havia perdido a tia...Que menina amorosa!
Todos comentavam, emocionados ao presenciarem a cena comovente; digna de uma foto histórica.Zuleika enxugou o rosto umedecido pelas lágrimas, e já morta de saudades, abraçou aquela mulher como nunca havia feito antes, muito feliz por ter reencontrado tia Dodoca, após tantos desencontros diários!