A Amiga da Onça #

Ditinha era uma mulher sozinha na vida, sistemática e cá entre nós, meio biruta da cabeça.Quando cismava com uma coisa, saí de baixo! Era cilada.Sempre foi assim e achava engraçada a sua fama de desmiolada. Numa dessas noites de solidão, resolveu abrir a janela do quarto, apenas para tomar uma brisa, e de longe viu um homem lindíssimo passar.Parecia um artista de cinema!

Um príncipe encantado que galopava em cima da sua bicicleta branca.Pronto, o coração veio na boca! Ela gamou.E como não gamar, se era um homem forte, robusto, corado e principalmente sarado? Bem, na verdade não era nada disto. Estava escuro e Dimas, pobrezinho, voltava do serviço, com o pensamento longe dali.

Nem deu conta da existência ridícula de Ditinha, que quase explodiu de emoção.Pronto, já murmurava pelos cantos que ele era o grande amor de sua vida; o homem que sempre esperou.Um deus em forma de gente!Seria o seu marido, pai dos seus filhos e o companheiro eterno.E ela tinha certeza; estavam namorando.Só que ele ainda não sabia.

Sabe por que? Porque Dimas já era muito bem casado há mais de dez anos com Sueli, a merendeira da escola.E o sonho dourado de Ditinha foi para o ralo quando ela viu pela primeira vez a “outra”.

Seu mundo desmoronou, comentando para quem quisesse ouvir:

- Que feiosa! Que velha! Que baranga!

O destino não tinha o direito de lhe pregar uma peça assim, bloqueando os fluídos do amor.Mais que depressa teria que colocar um fim naquela palhaçada toda.Enquanto suspirava de paixão, teve uma idéia fulminante: ficaria íntima daquela família, aproveitando pra dar o bote certeiro.Esperou que Sueli passasse para ir ao serviço e correu ao seu encontro com um sorriso pregado no rosto.

Deu bom–dia, ofereceu receita de bolo de fubá, convite de aniversário, batizado e até de casamento...E a tonta da Sueli não entendia nada, surpreendendo-se cada vez mais com a simpatia contagiante de Ditinha .

Na mesma semana Ditinha já estava tomando um lanche reforçado na casa da outra, confortavelmente instalada no sofá da sala. Surpresa! Agora as duas eram carne e unha.Pareciam irmãs siamesas e agüenta coração ! Dimas não tinha tempo para reparar em um fio do seu cabelo, porém ela estava louca por ele e disfarçava o máximo.

Pra sua sorte, Sueli era uma mulher cheia de superstições estranhas; curtia incenso, vela preta, branca e até “morena”.Acreditava em tudo o que lhe diziam e depois, desacreditava num piscar de olhos.Tinha figas no dedão direito, colocava fotos nos pés da santa e sal grosso atrás da porta.Epa ! Beleza pura! Ditinha fez um mistério danado para a amiga, querendo lhe confessar um segredo de infância: era vidente. A famosa, gloriosa e poderosa Mãe Ditinha .

O seu principal dom era conversar com mortos, no maior bate papo do mundo.Jogavam conversa fora e até truco, no meio da noite.E eles lhe contavam tudo: sobre as notícias celestiais, a moda dos fantasmas mais modernos e as últimas fofocas do bairro.

Ah, isto sim interessava a pobre otária que, rapidamente, marcou uma sessão especial com a sabichona.Mãe Ditinha revirava os olhos, deixava cair o beiço para o canto e hummm! Aquilo era segredo.

- Aquilo, o quê? – arregalou o olho.

Silêncio.Uma revelação de torrar os cabelos estava por vir.

- Vejo um homem moreno, bonitão e muito trabalhador que dorme em cima da sua cama...

- Sim, é o Dimas.- tremeu-se toda.- O que tem ele?

- Tem outra, minha filha. – confessou.-E esta outra é uma gata!

Mãe Ditinha dizia, em “transe”, que a sua rival era uma mulher charmosa, inteligente e poderosa. Não valia a pena competir com uma rival tão sexy assim, visto que Sueli era sonsa como ela só.

Com o passar do tempo, Mãe Ditinha, que de mãe não tinha nada, acabou com as economias da merendeira e detonou seu casamento com um tiro de canhão.

Agora Sueli e Dimas estavam separados, definitivamente pela lei da desconfiança.Apesar dele jurar fidelidade de pés juntos, ela preferiu ir embora para a casa da irmã, no Sertão do Ubatumirim, esbravejando sobre a sua desventura e o seu azar fulminante.Azar? Sorte dela, que estava morando bem longe dali e não pode conferir de perto o mais novo casal que desfilava pelas ruas da cidade, no maior chamego do mundo.

Mãe Ditinha, que nunca foi vidente, conseguiu enxergar em Sueli toda a sua insegurança, revelando-se a verdadeira amiga-da-onça, pronta para dar o bote e agarrar o seu “maridão” com unhas e dentes!

Silmara Retti -

Crônica publicada no jornal A Cidade -