Dejair, um Maluco Beleza


 
Hoje, ao ler uma crônica de lavra de Augusto Nunes intitulada “ A mulher que se achava filha de Getúlio, o pai do Brasil Maravilha e a órfã do golpe que não houve”, lembrei-me da mais antológica figura de nossa cidade, o “Deputado Dejair”, cognominado Avestruz, que conviveu conosco por muitas décadas e que atualmente se encontra desaparecido de nosso rincão. Segundo informações que obtive, ele foi levado para outra cidade por um de seus parentes próximos, com o propósito de lhe propiciar um final de vida mais tranqüilo.

Rememorando, conheço Dejair desde que me entendo por gente, há pelo menos sessenta anos e curiosamente observo que ele alterou muito pouco sua aparência durante todas essas décadas, talvez por conta de alguma poção mágica feita com as ervas que ele sempre levava em seu inseparável carrinho de mão, percorrendo a cidade.

Não consegui precisar onde se originou a alcunha de Deputado que ele orgulhosamente portava e como era por todos conhecido, talvez certamente em mais de um de seus delírios, quando o convenceram de que era candidato a tal posto em uma das tantas eleições, como a da imagem acima, quando foi flagrado no ato de tentar “comprar meu voto”, como publiquei na internet à ocasião.

A outra alcunha como era também conhecido, “Avestruz”, creio que decorria de sua forma bem característica de andar, com passos largos e ondulantes, sempre apressado em busca de seus destinos diários.

Incansável em sua eterna via sacra em busca da fortuna que lhe fora “roubada” por um honesto cartorário local e há muito falecido, fruto da herança deixada por seus pais, peregrinava pelas casas das autoridades e personalidades municipais que passavam a integrar suas histórias como se os mais recentes detentores da mesma, segundo lhe foi dito pelo último com quem teve contato e acrescentou novos dados à história anterior. E se dirigia ora ao Banco do Brasil, ora ao Banco do Estado, ora à Caixa Econômica com papéis que lhe foram fornecidos e que lhe garantiam o saque dos valores existentes somente em suas divagações mirabolantes e que ali estavam guardados e lhe haviam confidenciado. De outras vezes, maldosamente forneceram-lhe até mesmo as chaves dos cofres daqueles estabelecimentos, sendo difícil conte-lo em seus propósitos, sendo necessário explicar-lhe que os valores foram transferidos para outro local, para onde ele se dirigia incontinente.

Extremamente palrador, iniciava sempre suas intermináveis exposições a que ouvia às vezes por até quase que hora como que atentamente com a expressão “Aqui,...”, passando a discorrer sobre suas mais recentes descobertas da trama de que era o personagem principal e a que sempre acrescentávamos novos personagens e situações, ao sabor dos últimos acontecimentos, muitas das vezes para não o contrariarmos ou, devo confessar, em muitas outras para simplesmente sacanearmos um amigo cujo nome foi incluído em sua infindável história.

De seus casos mais antológicos, se bem que todos eles o eram, o amigo André Corrêa Porto, mimosense de quatro costados e empenhado em preservar a memória local, relata em seu livro Mimoso Antigo, como não lembrar, que “... Silvio Beloti, cara gozador, sempre que podia, tirava um sarro com a cara de alguém. Havia em Mimoso o Dejair, que todos conhecem por Avestruz. E o Silvio chamou o João Batista, filho do Bráulio e combinou de que este se vestisse de noiva e com um véu preto cobrindo-lhe o rosto para que Avestruz não o reconhecesse, a fim de promoverem seu casamento com aquele. Alugaram o caminhão do seu Leonídio para desfilar por todo Mimoso e no dia, com o caminhão cheio de gente e foguetes espocando para todos os lados, Avestruz desfilou pelas ruas da cidade ao lado da “noiva”, todo empolgado com a possibilidade de finalmente se casar...

E era festa completa, dessas de pra ninguém botar defeito, com direito a dezenas de convidados e até mesmo com fotos dos noivos, tiradas por Silvio, piscando a luz de uma lanterna como se fosse o flash. Assim foi feito e as horas passando, mas Batista, já cansado da encenação, diz ao Silvio que vai embora e acabar com a brincadeira, mas pra evitar qualquer reação de Dejair e para despistá-lo, resolve entrar no banheiro sob a alegação de que estava apertada, despe-se da roupa de noiva e dá o fora.

Como a noiva estava demorando muito, Avestruz se impacientou e foi ao banheiro atrás de sua companheira, somente encontrando as roupas por ela deixadas, caindo em pranto convulsivo ao descobrir que fora abandonado, possivelmente fugindo com outro invejoso de sua felicidade e sem que ao menos tivesse concluída a sonhada lua de mel...”


Por jamais o ter visto perder as estribeiras, mesmo em seus momentos de mais profundo delírio e ao ver frustradas suas senis proposições, sempre atendia seus apelos finais para o fornecimento de uma moeda que ele rapidamente embolsava com um sorriso de satisfação e partir em busca de quem o ouvisse.

Ah, esses loucos, principalmente como Dejair, Maluco Beleza, realmente me encantam. Talvez identificação, sei lá..
LHMignone
Enviado por LHMignone em 12/08/2016
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