Crônica do Napoleão
Eu estava com frio. Minhas irmãs estavam me mordendo, e me expulsaram da cama quentinha. Nem comer elas me deixavam, eu era menor que elas, elas mandavam em mim. Eu estava sozinho, no canto gelado, chorei um pouco, mas a moça que cuidava de nós brigou comigo. Não podia nem chorar. Fiquei ali, encolhido, com fome, e com dores em minha barriguinha. Não sabia o que era, era muito pequeno para pensar.
Nunca esqueci, como fui deixado. Minha mamãe dormiu quando nascemos, e nunca mais acordou. Os donos dela não nos queriam, então nos colocaram em uma caixinha, com a mamãe dormindo e nos deixaram em um lugar quieto. A mamãe não acordava. Ficamos ali, e minhas irmãs brigavam comigo, me mordiam, e me machucavam. Até que uma moça apareceu e nos tirou do lugar quieto, e nos levou para a casa dela. Não vi mais a mamãe depois disso.
Depois de uns dias, a moça parecia irritada, a casa era pequena, e os gatos brigavam com as minhas irmãs sempre. Era muito barulho, e ela não gostava. Foi quando ela nos colocou em uma caixinha, e pensei que iriamos de novo para um lugar quieto. Não gosto de lugar quieto. Fomos para um lugar com outros cachorrinhos, maiores que eu, mas que não brigavam comigo. Eu estava com dor e fraquinho. Não conseguia nem andar direito. Não consegui brincar muito, fiquei deitadinho. Minhas irmãs tomaram um remédio ruim, mas eu não podia, estava muito fraco. Ficamos ali, até que apareceram duas pessoas. Primeiro um cara, bem grande, que olhou pra gente e correu. Depois ele veio com uma menina triste, ela ficou olhando pra gente. Eu olhei para ela, e todos os cachorrinhos foram perto dela, mas eu não conseguia.
Aí, ela olhou para mim. Fiquei quietinho, não consegui correr até o colo dela, mas eu queria. Ela disse algo para a moça que cuidava de mim, que avisou, "Ele está doente, talvez nem sobreviva", agora eu sei que ela disse que eu ia dormir igual minha mamãe. Mas a menina me pegou no colo, sorriu pra mim e naquela hora eu percebi, ela era minha nova mamãe. Lambi a mão dela, pra avisar que eu sabia que era minha mamãe. Ela sorriu mais e disse, "É ele mesmo". Foi quando pela primeira vez ouvi meu nome, Napoleão.
Ela me levou para casa dela, mas todo mundo achou que eu ia morrer. Ela ficou preocupada comigo. Me levaram numa mulher, ela me apertou todinho, e disse que eu tava fraquinho, com anemia. Não sei o que é anemia. Minha mamãe chorou comigo no colo, quando a mulher que me apertou disse que eu não podia tomar remédio, se não eu ia dormir. Depois disso, minha mamãe olhou para mim e disse "Você vai ficar fortão meu amor".
Eu tinha que tomar umas coisas estranhas, e minha nova mamãe me dava suco roxo. Eu fui ficando mais forte, e já conseguia brincar com ela. Ela me deixava dormir na cama, e me dava carne gostosa. Aos poucos fui ficando forte, e comecei a bagunçar as coisas da nova mamãe, até comi o cabo do secador dela. Odeio aquele secador, ele solta vento em mim. Ela me dava banho, ela me dava comidinha, e me fazia feliz.
Depois de duas semanas, eu fui na mulher que me apertava, e ela ficou com cara de assustada. Eu tava correndo na mesa dela, e ela tentando me segurar. Eu tava forte, queria correr. Ela colocou uma agulha em mi, e aquilo doeu muito.
E cada vez mais eu cresci, comi coisas, baguncei plantas, e deixei minha nova mamãe doida. Mas agora, eu sei que minha mamãe me ama, e ela não deixou eu dormir igual minha outra mamãe. Eu amo minha nova mamãe, mesmo quando ela briga comigo porque eu comi as coisas dela. Ela me salvou, e agora eu sou feliz.
A história de como adotei o meu bebê, mas do ponto de vista dele (de forma fantasiosa, claro).