Assim ou ...nem tanto 57

Nada

Nada é algo que não temos, não conhecemos, não existe. Por arredondamento abusivo um quase nada é, para olhos profanos, zero virgula zero, zero, zero, zero, zero, um. Irrelevante, sem valor, um cisco de que nos livramos com uma lágrima, um sopro, um piparote feito com o indicador no polegar. Mas houve Nils Holghersson no nada de Selma Legerlof, a história de uma semente de mostarda que ficou árvore, a pequena palavra que perdeu um A e ficou mar, infinito, deserto, um nunca mais acabar de verde e azul, de branco e luz e espuma. A palavra que, ao lhe ser devolvido sem desculpas nem juros o A em falta, voltou a crescer e ser doce, paixão, invisibilidade.

Mas…um mar que se tenha nunca se perde. Fica-nos nos olhos, na pele, na boca. Curte-se na memória sempre que nos despimos para voltar ao nada e ficarmos jovens, nus, inteiros, em pleno gozo de um esplendor que, tal como o mar, nos pertence por direito. A posse de algumas coisas é, para mim, invisível, como uma roupa que nos descobre porque não está e só sabemos pelo escândalo na boca dos críticos, nos olhos devassos, no jeito invejoso dos que cumprem todas as regras e nunca pecam nem voam, nem amam, nem sabem, nem nada. E este é mesmo o nada de onde a espera é inútil. Não haverá tempo que ajude, nem clima que apoie, nem voz, nem ideia. Está tudo sepultado, podre, com o requiem e todas as missas rezados, inútil, zero, virgula zero, sobre o peso de um negro absoluto, sem réstia de luz, de claridade, de possível mudança.

Encho de afeto o meu coração e amo todos os nadas que potenciam tudo. Gosto, sobretudo, de correr na praia e sentir que, mesmo só a escutar as ondas e o vento, a minha imaginação percebe o anátema dos tristes enquanto espero por ti.