A voz das ruas, o silêncio do apartamento
A voz das ruas, o silêncio do apartamento
Se está com depressão, encerrado num apartamento, saia e vá ouvir a voz das ruas. Vá ouvir os passarinhos ou as cigarras, sentir o cheiro das flores da quadra, ver pessoas alegres e ativas, acariciar as folhas das árvores e saborear uma pamonha ou um curau. Não fique trancado na sua kitinete, no apartamento ou na sua mansão, pensando em círculos, remoendo erros passados e colecionando larvas emocionais que não vão levar a lugar algum. Saia e vá ver que seu drama é relativo e que não tem qualquer importância para os que estão nas ruas. Experimente.
Não sei dos seus antecedentes, da profundidade das suas feridas, das suas decepções amorosas, de sua situação financeira, mas sei de uma coisa: sair para ouvir a voz das ruas é solução para acabar com esse aperto no coração e a sensação asfixiante de que já não há saída para os seus problemas. Há, pode crer!
Uma das conclusões que vai tirar, depois de andar um pouco e ver o movimento, é que ninguém, no fundo, está preocupado com você, pois suas decisões não mudarão a rotina de ninguém, a não ser a dos mais próximos, mas apenas por razões práticas e momentâneas. Fique certo de que o mundo não pararia para tentar captar no vazio as vibrações da sua angústia, tentar interromper o fluxo de suas aflições e, muito menos, para lamentar se você fizesse alguma besteira, se é que você me entende. Os cinemas não interromperiam nem cancelariam as sessões, as estações de tv não mudariam sua programação, nenhuma alteração importante nem desimportante aconteceria se você cometesse algum ato desesperado. Você seria sujeito e objeto da ação, causa e consequência, tudo se encerraria por aí.
Na rua, veja bem, nem essas pessoas que te encontram, cumprimentam e sorriem numa camaradagem eventual, nem essas interromperiam a caminhada se soubessem que algo terrível aconteceu. Não sentiriam a sua falta, portanto não poderiam lamentá-la. As crianças ali naquele parquinho não interromperiam suas brincadeiras de hoje e nem cancelariam as do dia seguinte, em respeito a sua partida antecipada deste mundo. Os vizinhos talvez comentassem que devia ter acontecido algo muito grave com o solitário do apartamento X, porque o SAMU esteve no bloco e saiu logo em seguida, sirenas anunciando tragédia.
Portanto, saia de casa, se está com esse aperto no coração. Desça do apartamento, veja os esguichos d’água nos gramados, aspire o cheiro das plantas molhadas, converse baboseiras com o porteiro do seu prédio ou com a desbocada do Bloco A, ouça o ronco dos carros saindo das garagens e saboreie uma água de coco na volta pra casa.
O mundo não pretende parar. Se quer causar alguma comoção com um ato impensado, de desespero, alto lá! Não vai acontecer nada especial, a não ser a sua partida. As cigarras seguirão cantando quando chegar a hora, as pessoas conversando na praça, os carros rodando nas ruas... Esqueça! O melhor é se arrumar, botar a roupa de caminhada, botar um perfume, sair dessa gaiola urbana. Já na rua, para começar, respire o ar fresco - e nada de fone de ouvido. Você vai sair para ouvir a voz das ruas e não a voz viciada do seu coração conturbado e solitário, que precisa se curar.
Quando voltar ao apartamento, como naquele passe de mágica, tudo estará diferente: aquela simples caminhada terá recuperado sua alma.