SANTA FRANCISCA DA CRUZ DA MENINA
Fui vizinho de Francisca, na Rua da Pedra, coisa de 50 anos do fatídico. Ela já era mártir. Nenhum vestígio. Apenas, um sonho aflitivo de minha mãe: - "À cabeceira da cama, um espectro, com o rosto coberto por um véu, e um livro aberto nas mãos, velava o meu sono grávido". Minha mãe carregava gêmeos na barriga: um Francisco e uma Francisca. Dois caixões de anjos. Duas cruzes no cemitério. Minha mãe pariu natimortos. Minha mãe e seu fadário. Minha mãe, meu pai e eu. A mesma rua. Outra família. A mesma desgraça. Outra história. O assassinato da menina Francisca aconteceu na década de 20. Um crime sem culpados. O júri absolveu os suspeitos. Pai e mãe. A história os condenou... – É bem ali o lugar! Os restos foram depositados num saco de estopa, para que as aves de rapina não se alimentassem da morta. Corpo minguado, virginal, inocente... Imaginação. Uma janela entreaberta: portal do inferno (ou seria do céu?). – Um pulo para o lado de fora; uma volta descuidada para dentro de casa. Aquela desobediência lhe custaria os anos vindouros. Espancada à pauladas. - Sua bênção padrinho. A menina perdeu a vida e ganhou a eternidade. Corra com o traslado. Faróis no breu da noite. Silêncio no taxi. O pio de uma coruja. Consciências agoniadas. Já estamos distantes. A mentira tem pernas curtas. O tempo por testemunha... – Quem desconfiaria da desova? – Os olhos de todos os vivos. Os bichos que rastejam e voam. Os dias de calor e as madrugadas de frio. As árvores da pior seca. Até as pedras, também, desconfiaram. E, por fim, os olhos de todos os mortos. Francisca que era filha de ninguém, tornara-se filha de Deus. Descrente na justiça dos pares, o homem criou o enredo dos milagres. E o regueiro brotou em meio à caatinga, inundando às necessidades espirituais de quem precisava de fé. Para a pubescente, erigiram um castelo. E puseram uma cruz. E vieram: os romeiros; as orações, os ex-votos; a igreja, os políticos, o comercio... - E a pobre Francisca, da Cruz da Menina*, ainda hoje continua sem paz.
* À margem da estrada que liga Patos à Pombal, na Paraíba, pela rodovia BR- 230, encontra-se o santuário conhecido popularmente como “A Cruz da Menina”, local de permanentes romarias, que foi beneficiado com a construção de um moderno parque constituído de cobertura de alumínio (sobre a capela erguida em memória do trágico fato ocorrido em 1923), salas de ex-votos, casa das velas, altar externo, ao pé de uma cruz com 10 metros, lanchonete, lojas de “souvenir”, teatro de arena, passarelas e jardins, que representa um dos mais importantes centros turísticos religiosos do Estado.