PARANÓIA
Nos meus primeiros contatos sociais, ainda com a tenra idade de sete a oito anos, comecei a vê-la, e mesmo dentro da ótica de minha puerilidade, ela já me causava certa estranheza, um quê de mistério, envolvido ao mesmo tempo numa aura de loucura e docilidade.
Ali estava aquela dama, impreterivelmente em todos os casamentos, a despeito que a convidassem ou não, como todos a conheciam, deixavam-na em seu canto, taciturna, com seu ar de melancolia resignada de quem está cumprindo sua missão, sem importar-se com alguém ou algures. Ali na dela, como se diz hoje. Tudo que sei dela, é apenas o que se ouvia em comentários entrecortados pelas matronas da época.
Seu nome: Amélia. De acordo com os comentários, Amélia foi em sua juventude uma linda beldade, cheia de graça e formosura, e como qualquer menina moça, tinha seus sonhos e anseios de ser feliz. Bem criada que era, proveniente de boa família, educada dentro dos mais rígidos princípios, prendas domesticas, respeito à família, e temor a Deus. Amélia estava preparada para ser uma esposa doce, fiel, e companheira. E assim ia embalando seus dias felizes, à espera do tão sonhado príncipe encantado, que a guisa dos contos de fada, viria para desposá-la, e seriam felizes até a morte.
Sonho que Amélia repartia com varias amiga moçoilas da época, e que ainda hoje, embora muito haja mudado, consiste na vontade de uma grande parte das mulheres.
Um belo dia, vindo não se sabe de onde, eis que aparece um jovem mancebo, com todos os predicados exigidos e, a bela Amélia enamora-se do dito cujo, com todo amor, desvelo e paixão, que de há muito guardava em seu indômito coração, e para a felicidade de todos, é recíproco o sentimento do rapaz em relação à jovem Amélia. Foram dias felizes. O namoro aceito pela família e por todos quantos a conheciam.
_Um casal de pombinhos! _Feitos um para o outro. _Benza Deus! _Que sejam felizes. O noivado. O pedido oficial, as alianças de compromisso, tudo como manda o figurino. _Nossa! Que contentamento.
Amélia devotava-se de corpo e alma ao noivo, sem descuidar-se dos preparativos do enxoval. A peça mais importante, o vestido de noiva. Tudo pronto. A data do casamento marcada. _Ufa! Que sufoco! Parece que os dias não passavam. _Até que enfim! Chegou o grande dia. _Deus do céu! Nem acredito, que felicidade.
Os convites feitos, a igreja decorada, a hora se aproxima, a expectativa cresce. Na igreja os convidados se amontoam. Desde a noite passada, a noiva não vê o noivo. Não pode, dá azar. Está na hora. O padre, os padrinhos, todos em seus devidos lugares, todos olham para a porta principal do templo. Um automóvel estaciona na calçada, desce do seu interior uma linda moça, metida num rico e luxuoso vestido de noiva, logo atrás dois pajens ajudam a segurar a longa cauda. Na fronte, orla-lhe uma belíssima grinalda branca, com destaque para as flores de laranjeira, simbolizando a virgindade e a pureza daquela nubente, que logo iria entregar-se pelos laços sagrados do matrimonio, nos braços de seu amado.
Entra a noiva na igreja pelos braços do pai, todos os olhares convergem-se para Amélia. Um murmúrio corre de boca em boca: _ Nossa! Como está linda. _É uma santa, benza Deus. Triverjisam comentários e elogios. Somente quando chegam ao altar, é que todos sentem que falta alguma coisa. Na igreja estão: o padre, os padrinhos, os convidados, mas... Falta alguém. Quem? Falta o noivo. E agora? Naquela confusão, todas as preocupações voltadas para a noiva, ninguém deu por sua presença, ou por que não dizer, pela sua falta.
Todos perguntam: _ Cadê o noivo? Alguém o viu? Não! Ele ainda chegou. _O que houve? Ora, se o certo é que o noivo chegue antes da noiva! Amélia, que já tem a tez alva, fica ainda mais pálida. Começa a ter uma crise de choro: _Calma! É amparada pelo pai, padre, e padrinhos: _Calma filha! Vai ver que ele se atrasou por algum motivo, deve está chegando! Calma! _Ele foi embora (diz Amélia), abandonou-me antes de casar. Amélia começa a ter uma crise de histeria. _ Calma minha filha, tragam água... Forma-se uma balbúrdia generalizada na igreja. Todos comentam: _Ele vem, está apenas atrasado._Qual o que? Esse ai, se bem andou já vai longe. Uns defendem, outros acusam. A pobrezinha da noiva dá agonia em cima de agonia.
Alguém foi procurá-lo. Foram alguns minutos, até que tal portador voltasse, mais que pareceu uma eternidade. Um verdadeiro caos. De repente aparece o tal fulano, todos se calam. Um silêncio sepulcral toma conta do templo. O padre adianta-se e indaga: E então! Fale! homem de Deus! _Seu vigário! Pra haver casório, só se arranjarem outro noivo, pois aquele já vai longe. Foi visto embarcando, de mala e cuia, ainda de madrugada. O tempo fechou. _Ou será o templo? Amélia deu um grito agudo e, só não caiu por que foi amparada.
Foram vários dias em estado de choque. Ao acordar, a pobre moça nunca mais voltou ao normal. Recolheu-se em seu quarto, não quis mais ouvir falar em rapazes, namoros etc. Somente uma coisa a despertava de seu marasmo, e a fazia sair de casa. Era quando havia um casamento. Amélia comparecia à igreja, fosse convidada ou não, devidamente vestida em seu insubstituível vestido de noiva, com grinalda etc. Ficava quietinha em seu canto, não mexia com ninguém. As pessoas foram se acostumando, e todos aceitavam com naturalidade. Geralmente as pessoas a interpelavam: _Então Amélia, e o seu casamento quando acontece? Ela sorria e retrucava, sempre colocando uma data fictícia, com a seguinte averbação: _Estou esperando meu noivo, que está chegando de viagem.
, Quando conheci Amélia, já estava no que conhecemos por terceira idade, mas ainda conservava no semblante, vestígios de uma beleza de outrora,bem como, ainda continuava a acompanhar casamentos, sempre no eterno esperar pelo seu príncipe encantado retornar de sua viagem sem fim.
Amélia já se foi, fez sua viagem final, quiçá tenha ela encontrado a paz e felicidade que a vida lhe renegou.
Ignácio Santos