A vizinha travesti

_ Aberração! Nunca será uma mulher.

Fez-se silêncio após o comentário do meu tio. Tendo em seguida o apoio do meu avô.

_ É mesmo o fim do mundo. No meu tempo era diferente.

A sensatez da minha avó manifestou-se timidamente. Argumentar com o velho turrão, como o chamava, era quase sempre perda de tempo.

_ Não era diferente. As pessoas apenas se comportavam de uma forma mais...

_ Decente!

_ Ia dizer, discreta. Mamãe não tinha opinião sobre o assunto e se tinha não revelava. Os homens continuavam demonstrando impressionante indignação.

_ Onde isso vai parar, meu Deus?

_ Logo vão querer casar e ter uma vida normal como a nossa.

A conversa estava animada em casa. Nunca havia notado esse lado intolerante no vovô. Não imaginei que a passagem da vizinha em seu esvoaçante vestido azul, estampado com enormes girassóis causaria tamanha discussão. Ela era falsamente aceita. Uma boa pessoa para se conviver, até mesmo manter uma amizade secreta como faziam alguns homens casados. Acho que não contavam com a rapidez de pólvora que espalha boatos em cidades minúsculas como a nossa. Peguei-me em algum momento reproduzindo os mesmos discursos, propagando ódio, colocando-me em posição superior diante daquela mulher. Mais tarde descobri inveja por trás do desprezo que me foi ensinado. Ela era exatamente como gostaria. Tinha a coragem de mostrar ao mundo, quase sempre chocado, a essência que a definia. E eu ainda assustada no quartinho sem muita luz. Onde de verdade a vida acontecia.