Assim ou...nem tanto 56
O Amor
Cheguei jovem aqui. O que olhava marcava pouco não por defeito dos olhos mas por imaturidade. Dizem que o coração puro tem menos espaço, que se alegra ou entristece com muita força mas a raros estímulos. Depois, aprende a alojar os sentimentos, as emoções, os recados, as imagens, os beijos e os abraços, o resto. E cresce, torna-se mais capaz de bater com menos atropelo e mais eficácia. Tudo, disseste-me, deve ser visto com método. É simples apontar o prado e responder que são flores, os animais no pasto e dizer com segurança que são ovelhas. E tu, também longe da sabedoria, já tinhas aprendido a ver devagar, a prender palavras e impulsos, a fazer tudo para evitar o ridículo ou o erro. Por isso, sorriste enquanto balançavas a negação. Flores há muitas e diferentes. Olha para as vermelhas, repara como balançam levíssimas, frágeis, maravilhosas. São, com efeito, papoulas mas só até que as sintas individualmente, as consideres, as ames. Depois disso cada uma delas te dirá beleza de forma diferente. É assim também com o gado. São na verdade ovelhas mas junto delas está o cão que as guarda. A um olhar mais atento, saberás as diferenças, aprenderás que têm nomes próprios, usos distintos. Se as chamares não virão mas ao meu assobio regressam ao costume para a noite.Com afeto, vê-se melhor e mais perto. Estamos em tudo o que olhamos com o devido respeito, aprendemos a sentir no que vemos o seu lado de estar no mundo e a cabeça abre-se, o coração alarga-se, nós crescemos. Até as pedras se demarcam da generalidade. Agudas, redondas, pesadas, roladas. Tudo o que se vê aqui é vulgar ou sagrado. Depende de ti, da atenção e carinho que puderes colocar na observação, na classificação de tudo o que pode ou não enfeitar a tua paisagem. Sim, eu compreendia e agora poderia, seguro, dizer-te: -sei muito de ti mas ainda há rendas complicadas que terei de olhar melhor. Com amor.