COVAS E ORQUÍDEAS
ERA UM DIA MEIO GRIS quando algo abalou a quietação prosaica do cemitério. O coveiro, intrigado, dirigiu-se a porta do “campo santo”. Ao chegar, deparou-se com um recém-nascido embrulhado num pano comum. Nenhum bilhete. Recolheu o achado e o levou para dentro de casa. Havia agora recebido o ministério de não apenas sepultar os mortos – Cerimônias que embora parecidas umas com as outras, por via de regras, era para ele rituais dessemelhantes. Descia à sepultura uma história interrompida, in aeternum... E via seriedade naquilo, pois não conseguia imaginar um plano melhor. Irrigar as plantas, pintar os meios-fios, limpar as lápides, lustrar as cruzes e as porcelanas... apenas, encargos. Sopros de ventos balouçavam as copas das árvores que cresciam para sombrear o ambiente. Cada uma das avenidas tinha um nome figurado. Caminhava por entre as catacumbas, como se fosse um estimado de cada alma. Algumas vezes, parava para olhar os retratos esmaecidos, com o semblante de impassibilidade. A assiduidade daquele homem, aos entes dos outros, era quase uma consagração; uma ocasião encantada pela solidão das covas. Uma reza de propósito. A única pessoa viva, dentre centenas de mansões desabitadas. E sempre os mesmos passos, calculados; cada um habitua-se a viver a seu modo. O coveiro zelava pela reminiscência da cidade, por meio das vidas enterradas; e, assim, registrava cada detalhe do sepultamento. Num tipo de obituário, conservava a epístola dos vivos; algo que ele guardava em sigilo absoluto. Assim que acabava o culto; e o morto era depositado no chão nu... Registrava o ato, feito prudência. – Nenhuma vida era ultimada sem a deferência devida das contas terrenas – A clemência ali era dada por ele. Porém, depois do achado no portão lateral do cemitério da cidadezinha recatada, as folhas do livro dos mortos foram arrancadas, porque assim ele quis. Um lugar fora reservado, debaixo da mais frondosa árvore, e apenas uma orquídea fora plantada, como testemunha de todas as narrativas; devidamente sepultadas, uma a uma, para que todos que constavam ali, em registro, pudessem, enfim, sossegar.