A mangueira matusquela
Mimoso do Sul, cidade onde nasci, vivi toda minha infância e grande parte da juventude e para onde retornei recentemente, mesmo que de passagem, já que este meu espírito irrequieto e aventureiro não me permite fixar raízes em qualquer lugar, é um pequeno recanto localizado no extremo sul do estado do Espírito Santo.
Pacata e ordeira, até mesmo muito mais do que deveria ser, principalmente nesses tempos atuais de tanta tecnologia, com os recursos de internet e whatsapp, conexões globais e instantâneas via CNN e através de satélites, com comunicação direta até mesmo com Marte e Júpiter, de onde nos são enviadas fotos intrigantes e mal explicadas pela NASA, Mimoso permanece como que um recôndito paraíso indiferente aos acontecimentos do mundo.
Entre vantagens e desvantagens disso, resta a seus habitantes, além da prerrogativa de saberem e comentarem sobre a vida de todos, como é comum nesses casos, a certeza de que, na eventualidade de uma catástrofe mundial, Mimoso seria uma das pouquíssimas preservadas, já que nem mesmo consta da maior parte dos mapas e, assim, não se pode destruir o que não existe.
Mesmo que ainda não reconhecida como tal, Mimoso possui características bem peculiares e que a tornam diferenciada dos demais municípios, apesar dos esforços de alguns de torná-las mundiais. Em nenhum outro local existe um Pocitos, trecho encachoeirado e cercado por um bambuzal que nos dê privacidade para namorarmos; nem mesmo um recanto como a Pedrinha, onde de novo acorrem gerações saudosas para se banharem; e que falar do Mata Fome, onde se podia pegar piabas com as mãos e ali mesmo saboreá-las acompanhados pela boa pinga, mesmo que hoje meio depauperado pela seca que nos assola, próximo à usina hidroelétrica que não mais gera a energia local e que somente se presta para abrigar casais de namorados, para transarem, tornando-se o primeiro motel gratuito. Ah, e que falar da Champruca com suas “quengas” e que Walter Renoldi tenta de todas as formas recriar e até mesmo cloná-la em outras plagas...
Bem mais que um mero celeiro de grandes contadores de “causos”, Mimoso ora desponta como um berçário para os que se dedicam à arte maior, a da escrita, dando continuidade aos passos de Grinaldson Medina, Dr. Cysne, Dr. Juca e Leonor Cheibub, além dos tantos que já se foram e que deixaram registrados seus contos, hoje já inseridos e absorvidos pelo anedotário local, como Dr. Lincoln Martins, Fefeu, Enes Cheibub, Amim Yazegi ou os atuais, como Murilo Mareli que foi abduzido e viajou em um O.V.N.I. juntamente com Gaioti, apresentando-nos novos valores como Vera Moll, Sonia Mileipe, José Luiz Barros, Maria Helena Cysne, Lia Márcia Leite, Orlando Martins, Alcy Vivas Amado, André Corrêa Porto, William Minassa Junior e tantos outros...
Preocupados com a preservação desse passado que a cada dia se torna mais distante, surgem também verdadeiros “Indianas Jones”, como Airton Coimbra, Renato Mofati, Renata Mofati, Gerson França, Ricardo Martins, Higner Mansur, Beatriz Mignone, Rosângela Guarçoni, José Roberto Barbosa, Chancra, Maria Verônica Martins e João Odílio, os quais, utilizando-se dos recursos e aptidões que lhes são inerentes, preservam e divulgam este pequeno rincão que tanto amamos.
Por falar nisso, aos que afetos principalmente à história de nosso Mimoso, persistem alguns hiatos ainda não bem esclarecidos, como por exemplo a origem do nome de nosso Município – Mimoso – que alguns certamente mal intencionados pretendem denegrir alegando que se trata de represália política e que aquele fazia menção ao boi de um de nossos coronéis da década de trinta, certamente por pura maldade.
Igualmente, outro detalhe ainda não bem esclarecido é quanto à real origem da “Mangueira Matusquela” que empresta seu nome a essa crônica, da qual, diga-se de passagem, sou testemunha viva de sua existência, com a comprovação de minhas irmãs Lucia Helena e Beatriz, além da de meu irmão Ricardo, os quais não me deixam mentir sozinho e conforme passo a relatar:
Dentre as muitas e seculares fazendas aqui existentes, muitas delas constituídas nos séculos passados – Independência, Bela Aurora, Pastinho, Muribeca, Palestina, Pratinha, Recreio, Santa Marta, etc. – apesar dos enormes valores histórico e arquiteturais de todas elas, a que vem ao caso é a primeira, a da Independência, atualmente de propriedade deste grande amigo Luiz Moulin, conhecido como Luiz Careta, realmente não sei porque e que anteriormente pertenceu à família Guarçoni.
Sabe-se que seu nome – Independência - decorre de homenagem prestada ao insigne lusitano Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon, mais conhecido como D. Pedro I que lá pernoitou com sua comitiva em uma de suas incursões pelas terras brasiliensis, já que foi nosso primeiro Imperador e de certa forma o causador dessa imensa balbúrdia em que nos transformamos, sucedido em tempos recentes por D. Luiz Inácio Lula da Silva, D. Luiz LI e por D. Dilma Vana Roussef, que assumiu a alcunha de “Dilma, a Louca” em homenagem à avó de D.Pedro I, como normal nesses assuntos de dinastias.
D. Pedro I tinha como seu principal mestre e confessor o Frei Antônio de Arrábida, que se presume originário de São Pedro do Itabapoana, o qual lhe ministrava aulas de pintura e música, além de a compor e tocar pequenas peças, o que talvez explique a influência em tantos outros atuais mimosenses, muitos deles possivelmente seus descendentes, como explicado no próximo parágrafo. Dedicava-se também apaixonadamente à equitação, o que talvez justifique a quantidade de asininos existentes e ocupantes de elevados cargos nos escalões governamentais. Como seus sucessores atuais, era avesso aos estudos e preferia a vida ao ar livre, no doce fare niente...
Sua fama de aventureiro e boêmio, justificada por seus 13 filhos reconhecidos e mais cinco naturais, além dos outros tantos não reconhecidos e espalhados por este vasto império, levam-nos a crer na assertividade de nossas conclusões, haja visto que D. Pedro I não livrou a cara de Domitila de Castro, a marquesa de Santos e nem mesmo de sua irmã, Maria Benedita Bonfim, baronesa de Sorocaba, partindo para suas conquistas internacionais, no Uruguai com Maria Del Carmen Garcia e atravessando o Atlântico com as francesas Noémi Thierry e Clémence Saisset, após invadir monastérios portugueses para a conquista da monja Ana Augusta, ainda sobrando-lhe um tempinho para declarar nossa Independência, rompendo com a autoridade paterna, como é normal nesses casos de insubordinação filial.
Retornando às elucubrações sobre as origens da “Mangueira Matusquela”, existem duas vertentes principais, cabendo aos insignes historiadores locais se debruçarem sobre elas e virem a público declarar a mais verossímil: a primeira reporta que a mesma decorreu de uma visita de D. Maria I, avó de D. Pedro I e integrante da comitiva, ao pomar da fazenda até então sem nome e ao se sentir apertada, já que sofria de incontinência urinária, fez xixi sobre um broto de mangueira que cresceu e se tornou nessa que hoje conhecemos e de quem herdou a loucura que a assola; a segunda, assegura que foi o próprio D. Pedro I quem o fez e o excesso de testosterona já devidamente comprovado, fez com que a mangueira assim se manifestasse.
Fato curioso a ser igualmente pesquisado e comprovado é que, até a década de 30, a aludida mangueira cresceu e se portou naturalmente como todas as demais de sua espécie, dando exclusivamente mangas, as quais, diga-se de passagem, tinham realmente um sabor meio diferente e a quem atribuíam poderes afrodisíacos, certamente por sua controversa formação biológica. Após o assalto às instalações da prefeitura de São Pedro, ocasião em que foram expropriados os correios, prefeitura, cartórios e até os instrumentos da banda de música local, solidária ao sino da matriz que rachou à ocasião, a mangueira enlouqueceu, ficou completamente biruta, conforme diagnosticado por renomados psiquiatras que assim o atestaram.
Segundo afirmam peremptoriamente Juracy Nogueira, alcunhado Nen, Gaioti e Maneca, três sãopedrenses fanáticos que ainda crêem e lutam pelo retorno dos bens surrupiados a sua cidade em lombos de burros nos idos de 30, em protesto, a mangueira passou a produzir ao invés de somente mangas, como natural às demais de sua espécie, também jacas, melancias, maracujás, laranjas, mexericas, ameixas, abios, abacaxis, abacates, jabuticabas e pinhas, além de toda a sorte de outras frutas, chegando ao desplante de, nos meses frios, produzir maçãs, uvas e peras. Psiquiatras consultados afirmaram que certamente em decorrência da idade provecta, já que foi acometida de aterosclerose, combinado com Alzeimer, sendo que, contudo, tal versão não prevalece, mantendo-se as advindas de D. Pedro I e de D. Maria.
Tamanha proficiência de suas atividades foi devidamente documentada no filme Macunaima, na década de 60, sendo que por questões de segurança nacional não foi declarada a localização de nossa mangueira, evitando-se assim uma avalanche turística para um local sem condições de acomodá-los devidamente, sendo que, contudo, recentemente nosso amigo Luiz Careta está disposto a divulgá-la devidamente, dando ao local um cunho turístico, exaltando as propriedades afrodisíacas hoje devidamente comprovadas e até mesmo atestadas por inúmeras igrejas e cultos que lá se hospedaram nos finais de semana.
A bem da verdade e em confirmação do quanto exposto, já que relato simplesmente “por ouvir dizer” e não sendo tão idoso assim, recentemente, Sam Van Aken, artista e professor da Universidade de Siracusa, publicou fotos e matéria sobre o assunto na internet, apresentando vasto material explicativo sobre as técnicas utilizadas para a obtenção de seus resultados, sendo que desconfio de que certamente clonando este grande feito imperial em nosso rincão, o que está sendo devidamente apurado pelo Serviço Secreto Municipal e que, por direito, deveria ser somente nosso e utilizando certamente mudas surrupiadas, tirando-nos a primazia que nos pertencia.
De certa forma, melhor que assim tenha sido mesmo, pois ao menos não perturbamos a paz de que nossa mangueira necessita, já adentrada em quase dois séculos de existência e, certamente, o espocar de flashes e poses para filmagens seria por demais desgastante para ela, sujeitando-a a pirar de vez e até mesmo passar a misturar todos os sabores, passando a apresentá-los como que salada de frutas e o pior, sem os efeitos afrodisíacos.
N.A. – Nestes meses de inverno rigoroso, ela somente está produzindo maçãs, peras e uvas, mas está bem florida para as outras colheitas, no aguardo da próxima primavera.