Dez anos hoje

Uma década.

Lembro exatamente onde estava.

Tinha 14 anos, 3 meses e 3 dias. Vivendo o melhor da vida (à época). Adolescente, deveras emotivo. Muitos planos, muitos sonhos, mais sociável, melhor trato social. Vida normal, simples, nada extraordinária. Se ajustando, sendo normal, mesmo apesar dos pesares da vida (que não é momento de abordá-los). Enfim, era bom.

Acordei por volta dumas 7h, pouco antes. Levantei, me dirigi a sala de estar. Lá estava meu tio, falando pelo telefone com minha genitora. Logo que me dirigi a ele, pego o telefone e falo com ela. Diz que um tio do meu genitor havia falecido na noite do dia anterior. Perguntou como eu estava. Respondi que estava bem. Perguntou do meu avô. Disse que ele também estava bem. Mas que estava dormindo.

A bem da verdade, no dia anterior, havia visto pouco meu avô. Apenas pela parte da manhã e lembro que ele teve de sair para comprar frios (para o rapazola paulistano), pois não havia mais em casa. Depois do café, passei o dia inteiro na casa de um primo, só retornando para lá já de noite, por volta de umas 21 h. Quando cheguei, meu avô já havia ido dormir.

Conversa de telefone concluída. Falo com meu tio sobre meu avô. Homem velho de hábitos interioranos. Acostumado a acordar cedo. Quantas vezes me lembro de vê-lo, ou percebê-lo acordando, pontualmente, às 6 h. Às vezes, até antes disso, umas 5h30. Mas não naquele dia. Estava estranho. Meu tio, então, fala para ir acordá-lo. Entro no quarto e, da porta, o chamo. Sem resposta. Falo do resultado da empreitada para o meu tio que, momentos depois, repete o procedimento. Nada. Estava realmente estranho.

Ato contínuo, entro no quarto, novamente. Mas dessa vez, não fico apenas na porta. Me dirijo a cama do meu avô. Silêncio. Estático estava. Ponho o dedo no pescoço para sentir sua pulsação. Sem resposta. Meu avô jazia morto.

Desesperado com o resultado da minha empreitada, tento realizar uma massagem cardiovascular (mesmo sem ter o conhecimento específico, eis o instinto humano em momentos afins). Sem resposta. Não havia mais nada o que fazer.

Aviso o meu tio, que liga para uma tia minha e também para o SAMU. Ligo para a minha mãe e aviso. O vô morreu.

As tias chegam, antes do SAMU. Minha mãe, de imediato, providencia passagem para ir velar o pai morto. As providências iniciais vão sendo tomadas.

Paro, encosto à janela, cruzo os braços e fico resignado, vendo a movimentação e pensando apenas.

Depois de quase uma hora da chamada inicial, chega a equipe. Diligenciam ao cômodo onde estava meu avô. Após instantes de trabalho, a notícia, óbvia, fora dada e reiterada: estava morto.

Da posição onde estava, verto uma lágrima. Era assim que a história de um bom homem terminava. Era assim que a minha sina se iniciava.

Horas mais tarde, minha vó tem alta do hospital, onde se encontrava internada há alguns dias, em virtude de um rota-vírus, contraído dias antes, em terras paulistas. Quando a notícia lhe é contada por um dos filhos, ela chora, pois, o seu cônjuge, há 53 anos, havia falecido.

Ainda no mesmo dia, no velório, ao ver a reação emocionada da minha avó, chorando copiosamente, choro também.

Foi assim que perdi meu avô. E foi assim que comecei a ter uma relação estranha com a morte. E, sendo bem babaca, e citando Art Spiegelman, falando sobre o pai, Vladek, foi aí que meus problemas começaram. Alguns.

E a vida segue.

Estamos aqui.

Dez anos depois.

A vida ainda é boa.

Mas é um pouco mais vazia.