Por que detesto política
"Aquele que não é capaz de governar a si mesmo não será capaz de governar os outros".
Mahatma Gandhi
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Minha geração poderia ser chamada de “a geração do limbo”: não demos o start inicial para a liberdade sexual ou vivemos a cultura hippie, nem tivemos acesso desde pequenos ao bombardeio de informações que a era da informática nos propicia hoje. Crescemos sob a ditadura militar, acreditando que nosso país era o Éden - e nossos governantes, deuses onipotentes.
Bem, eu pelo menos acreditava.
Sou neta de imigrantes italianos, que vieram “fazer a América” trabalhando na lavoura. Meus pais, já na cidade, eram totalmente apolíticos e só tinham um único objetivo: sobreviver. E isso incluía dar a seus filhos condições de ter uma vida menos sofrida que a deles, o que em última análise significava a educação formal na escola, possibilidade que lhes fora negada. As escolas públicas eram a única forma de conseguirem seu intento, e foi nesse ambiente de silêncio ou conivência que fui apresentada à realidade brasileira: a que eu conheci, ilustrava nas redações ufanistas sobre vultos importantes da história nacional, ou em outras ainda mais alienantes, com títulos como “Minhas Férias”. Lembro-me da obrigação de nos levantar da carteira e ficar de pé quando um adulto adentrava nossa sala de aula, até que ele nos permitisse sentar; das filas, qualquer fila, onde permanecíamos o tempo todo com o braço direito dobrado atrás das costas, ali segurando o braço esquerdo; do hasteamento diário da bandeira sob o Hino Nacional cantado com a mão direita sobre o peito, no local onde se sentia o coração bater.
Nada daquilo me incomodava; afinal, havia crescido aprendendo a obedecer...
Apenas uma única vez tive a sensação de que algo não ia bem; foi no segundo ano, exatamente nos idos de 68. Nossa professora, quase sussurrando, alertou-nos a não chutar pacotes caídos no chão, pois dentro deles poderia haver uma bomba. Bombas no Éden? A possibilidade marcou para sempre a ingenuidade da garotinha de oito anos. Desde aquele dia, desvio sistematicamente de tais pacotes.
A realidade se me apresentou cruamente apenas quando entrei na universidade, também pública. Só então pude entender – ainda que de forma tendenciosa, pois que apresentada pela esquerda mais radical – tudo o que me havia sido ocultado na infância e adolescência. Senti-me manipulada durante anos e a revolta veio de uma vez. Apesar de já estarmos vivendo o início da abertura política, participei de algumas manifestações estudantis (o Palácio do Governo era sempre o alvo!) e fiz protestos contra a corrupção. Mais tarde acompanhei a política um pouco mais de perto, indo à Sé nas Diretas Já, desfilando de preto, amarelo ou verde, dependendo do momento; vibrando com Collor deposto, filiando-me ao PSDB recém inaugurado ou fazendo campanha para candidatos do PT, meu partido do coração.
Romântica, acreditei piamente que o fim da corrupção e das desigualdades sociais estava nas mãos daqueles que, entre intelectuais e trabalhadores, haviam vivido por dentro os horrores da ditadura militar e sofrido as agruras das classes menos favorecidas...
Alguns de meus antigos candidatos efetivamente subiram ao poder. E o que aconteceu?
Novamente me senti manipulada, da mesma forma vil: mentiras, dissimulações, um grande tapete encobrindo uma podridão sem limites...
(Confesso que a gota d'água foi uma foto: meu candidato a presidente, por quem vibrava e cuja estrela eu levava no peito com orgulho, aliado em abraço com o vilão-mor, o que afundou o Estado com seu rouba-mas-faz, o rei da corrupção e da manipulação, o dissimulado baluarte da ditadura que era capaz de se bandear para qualquer lado onde houvesse poder... Hoje me permitiria desconfiar de uma montagem de imagens, mas à época aquela foto me marcou tanto quanto a possibilidade de bombas em pacotes no chão aos oito anos).
Foi tudo isso que enfim me transformou na mulher politicamente cética que sou agora. Acredito apenas que nossas ações de caridade, de luta contra o preconceito, de respeito ao próximo, às leis e ao meio ambiente, de não desperdício ou consumo excessivo, possam formar núcleos de seres humanos conscientes e corretos, cujas ações não prejudiquem outro ser humano - e, pelo contrário, promovam a justiça, a igualdade e a preservação de nosso planeta.
E assim quero criar meus filhos, para que eles também espalhem essas idéias: correção, justiça, igualdade, desapego, consciência, inclusão, respeito. E, a partir disso, escolham quem melhor os represente. Eu, particularmente, desisti de tentar limpar a cidade, o estado, o país: prefiro colaborar arrumando meu próprio quintal, o que já é uma árdua tarefa, visto que nem mesmo as ferramentas mais básicas para isso nos são fornecidas. Minha grande ambição política, hoje, é que a honestidade e o respeito se tornem, enfim, uma epidemia incontrolável.
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(Apenas uma observação: a única coisa boa que a ditadura me legou foi manter-me até hoje emocionada quase às lágrimas ao cantar o Hino Nacional – que sei de cor e salteado! – e ao ver nossa bandeira ao vento. O simples e sincero amor à Pátria deveria ser a base de toda atitude política e social. Isso, com certeza, mudaria muita coisa.)