PICADINHOS DE MANUEL BANDEIRA

Já que virei professor improvisado......... aceitei palestrar para uma turma de ensino médio na qual descobri alguns BONS poetas amadores.

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Assim como o mineiro CDA, o pernambucano MANUEL BANDEIRA foi poeta completo, grande prosador e escreveu o “Itinerário de Pasárgada”, memórias, e ”Crônicas da província do Brasil”, além de muitas crônicas avulsas e estudos literários, em que se destaca um trabalho sobre GONÇALVES DIAS, o grande poeta romântico.

ROMANTISMO --- Em 1945, BANDEIRA publicou um livro em que se encontra o seguinte poema: SEXTILHAS ROMÂNTICAS – “Sou romântico. Concedo. / Exibo, sem evasivas, / A alma ruim que Deus me deu, / Decorei “Amor e medo, / “No lar”, “Meus oito anos”... ----- Outros toques de Romantismo: “Sou assim, por vício inato./ Ainda hoje gosto de Diva. / Nem não posso renegar / Peri tão pouco índio, é fato. / Mas tão brasileiro... Viva, / Viva José de Alencar!” ----- “Além, muito além da serra / Que ainda azula no horizonte, / Inventou a donzela insonte, / Símbolo da nossa terra, / E escreveu que é mais poema / Que romance, e poema menos / Que um mito, melhor que Vênus: / A doce, a meiga Iracema; / E o mito ainda está tão jovem / Qual quando o criou Alencar. / Debalde sobre ele chovem / Os anos, sem o alterar.”

(JOYCE disse que seria imortal porque escrevera um livro “sobre o qual se debruçariam, séculos a fio, centenas e centenas de professores de literatura”. Vaidade previu o possível...)

MODERNISMO --- BANDEIRA, Malabarista perfeito na arte poética. Diversificação criadora que começa no Parnasianismo e atinge as experiências do Concretismo, dominando desde o soneto até formas inventivas de expressão poética. Suas características básicas modernistas:

1-Tom de poesia coloquial de toda sua obra lírica e confidencial, irônica e auto-irônica, intimismo que incorpora assuntos e temas prosaicos (inventou para ele “poeta menor”, pode?) sem eloqüência e retórica forjadas. 2-Desvairismo à sua própria moda, conforme confessa no “Itinerário de Pasárgada”: fala de esforço inútil que só resultava na insatisfação e na experiência pessoal, porém no inconsciente uma espécie de transe ou alumbramento, alívio de suas angústias; certo irracionalismo como fundo poético surrealista, jogando biografia dentro da obra (tuberculoso na adolescência, vida cheia de cuidados, melancolia, solidão, distância da corrida direta da vida, contemplar sem participar). 3-interiorização dos vultos mais familiares e das imagens femininas, com singeleza religiosa. 4-Análise da condição humana, presa à matéria e tendente para a transcendência (raros poemas com esta temática, porém decisivos). 5-Verso funcional, superação definitiva da metrificação tradicional, verso livre. 6-Poesia como divertimento (mais encontrável em “Mafuá do malungo”). Pelo vasto conhecimento literário, hai-kais da tradição japonês, cantigas medievais, sextilhas e redondilhas à lá GONÇALVES DIAS, rondós, versos “de” outros poetas, poesia concreta.

SOBRE ALGUNS LIVROS – Início da produção literária, nos dois primeiros livros, sob influências do século XIX.

“CINZA DAS HORAS” (1917) – Tonalidades e mistura de Parnasianismo e Simbolismo, novidades expressivas como o tom irônico e a incorporação do cotidiano, característica marcante futura. No poema “Solar do desarmado”, rimas em ‘aia’, de sabor provençal. Em “O anel de vidro”, “Aquele pequenino anel que tu me deste / – Ai dei de mim – era vidro e logo se quebrou. / Assim também o eterno amor que prometeste / – Eterno! Era bem pouco e cedo se acabou.”

“CARNAVAL” (1919) – Segundo o próprio autor, “um livro sem unidade”, preso ainda ao Parnasianismo e ao Simbolismo. Obra condenada pelos tradicionalistas pelos ataques ao Parnasianismo e defendida pelos modernistas. Neste livro, vaga nota de tristeza e desalento – como em todo carnaval, o epílogo é melancólico. Mais ou menos modernista, experiência de rima e assonância. Livre-metrismo (poema “Sonhos de uma terça-feira gorda”) e anseios inconformistas; no poema “Os sapos”, sátira aos excessos parnasianos, coloquialismo e humor ao gosto do catecismo modernista – sapo-tanoeiro, ridículo parnasiano aguado...

“O RITMO DISSOLUTO” (1924 – pela primeira vez, publicado como POESIAS) – Transição entre dois momentos da poesia de BANDEIRA. Afinação crescente dos versos livres e dos metros; impacto das técnicas modernistas, maturidade comprovada no poema “Felicidade” – “Oh, ter vontade de se matar... / Bem sei que é coisa que não se diz. / Que mais a vida me pode dar? / Sou tão feliz! / – Vem, noite mansa...” Começam a aparecer os assuntos da futura predileção: sofrimento, noite e morte; é a aceitação de seu destino que lhe dá pureza e simplicidade para colocar intensa poesia de linguagem acessível em cena simples do cotidiano, como “Meninos carvoeiros”; também “Os sinos”, com ar popular.

“LIBERTINAGEM” (1930) – Livro da consciência poética em que o poeta reconhece o alcance da sua arte e a libertação. Consagração definitiva, retocados alguns poemas publicados em revistas paulistas e mineiras, de 1922 a 1930, como “fase de ruptura” definitiva com os modelos parnasianos; acentuam-se em plenitude o humor, a ironia e o coloquialismo, em tempero com a dor. A frustração e sensibilidade do poeta – poemas “Pneumotórax” (dor pessoal e profunda, mas quase piada; linha propulsora de sua poesia) a “Andorinha”, humor trágico muito além de miniaturas-cômicas ou poemas-piada. Outros destaques: “Poema do beco”, “Evocação do Recife” e “Profundamente”.

“ESTRELA DA MANHÔ (1936) – Mesmas diretrizes de LIBERTINAGEM, com palavras de gíria e eruditas transportadas do francês ou evocadoras de outros poetas (“Brancaranas”, de MÁRIO DE ANDRADE, impulsão lírica provém até de uma réstea de cebolas), algumas notas originais, por exemplo a exploração do folclore negro. Destaque para os poemas “Balada (“Rondó das...”, na edição Aguilar) das três mulheres do sabonete Araxá”, tese modernista da ausência de preconceitos quanto à fonte de inspiração, e o popular “Rondó dos cavalinhos”, leve, belo, expressivo...desarmonia pelo sentido entre os dois primeiros dísticos da trova – “Os cavalinhos correndo, / E nós, cavalões comendo... / Tua beleza, Esmeralda, / Acabou me enlouquecendo.” Outros destaques: “Chanson des petit esclaves” (em francês); “Oração a Nossa Senhora da Boa Morte”, com a força nostálgica de CINZA DAS HORAS; “Momento no café”, diretriz material: a vida é uma agitação feroz e sem felicidade; “Sacha e poeta”, ternura do poeta pala infância; “Tragédia brasileira”, humor trágico; “Conto cruel”, humor trágico tendendo a piada.

“LIRA DOS CINQUENT’ANOS” (1940) - Saiu em “POESIAS COMPLETAS”, acrescidos depois 18 poemas na edição de 1944. Destaques: “Maçã” e “Água forte”, poemas descritivos; “Versos de Natal”, sua infância presente; “Canção de muitas Marias”, coloquial, irônica, evocativa; “Mozart”, santificação da beleza, do talento e da juventude.

“BELO BELO” (1948) - Poeta na sua serenidade – “Mas para quê / Tanto sofrimento / Se nos céus há o lento / Deslizar da noite?”

“MAFUÁ DO MALUNGO” (1948) - Versos de circunstância, onde o poeta se diverte poemas a partir de nomes de pessoas, poemas imediatos como dedicatórias para comemorar aniversários etc.

“OPUS 10” (1952) – Poeta mais lúcido, 66 anos, no livro alguns de seus mais belos poemas, paisagem espiritualizante, suave como a santidade - “Consoada” e “Lua nova”, homem padecido e vitorioso de próprio sofrimento.

“ESTRELA DA TARDE” (1958) – Reúne os últimos poemas em que ele declara missão cumprida – poeta olha o passado e, com retalhos de versos seus, traduz sua vida e sua arte, em verdadeira antologia.

“ESTRELA DA VIDA INTEIRA” (1966) – Conta aqui sua evolução poética – livro sereno, de comovente humildade, com excessiva modéstia quando partilha arbitrária caracterização da poesia lírica e da social ou solidária.

ENSAIO E CRÍTICA - “A autoria das Cartas Chilenas”, “Apresentação da poesia brasileira”, “Gonçalves Dias”, “Mário de Andrade”, “Memórias (auto-interpretação) - Itinerário de Pasárgada” (1957).

NOTA DO AUTOR:

O poema “Os sapos” foi lido por RONALD DE CARVALHO numa das noites da Semana de Arte Moderna, provocou escândalo e tornou-se uma espécie de hino dos modernistas da primeira fase.

F I M