INSPIRAÇÃO PARA MUITOS POETAS

1--HERANÇA – É o que muitos “herdeiros literários” assumem – verso límpido e econômico, sua maior qualidade: sem a pompa verbal parnasiana e a orquestração do verso simbolista. “Todos bebemos no seu canto”, disse dele MURILO MENDES. Sim, na poesia modernista, OSWALD foi o batedor, MÁRIO o mentor, BANDEIRA a fonte – MÁRIO o apelidou de “São João Batista do Modernismo”. BANDEIRA, mais moderno que modernista, rosto humano, mais espontâneo e despojado, poesia despretensiosa e desnudada de artifício, subjetividade individualizada. Ele se julgava “poeta menor”: jamais! E nos deixou dezenas de textos (metrificados ou não), perfeitos!... Desenvolveu uma atitude existencial, chave para a criação e compreensão da sua poesia: a humildade, que nele é ao mesmo tempo atitude moral e estética – ele, cantor das coisas pequenas, anônimas, singelas e passageiras. Transformou fragilidade em força, limitação em horizonte, prosaísmo em beleza humana e estética. Poesia que jamais envelhece...

2--POEMA DO BECO – “Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte? / – O que eu vejo é o beco.” /MANUEL BANDEIRA in “Estrela da manhã”, 1936./ Neste dístico, poema curto e breve, só importou o beco (nove amos morando...) sem se importar com a paisagem que descortinava da janela. Por que fixado no beco? Chocado com a miséria e a pobreza da gente do lugar, poema onde colocou (palavras dele) “o sentimento da solidariedade humana”, conta ele em “Itinerário de Pasárgada”, e fala do segundo poema, que aprofundou e ampliou primeira impressão, acabando por amar o beco, e compôs um poema de despedida, em atitude de compreensão e ternura.

DEU IDEIA PARA: “Amor em Búzios – De que vale o belo sol Geribá? A água transparente da Azeda. A linha do Horizonte... Se o que vejo é o Beco. - Te adoro... muito.” /Correio afetivo, poema graficamente emoldurado, mas o neo poeta não assinou a declaração de amor./

RESIDÊNCIAS – Famosos o beco e o apartamento quase monástico da avenida Beira-Mar, este último que era a um só tempo refúgio e onde recebia infinitos amigos e alunos (eles e elas) da faculdade onde lecionava, ali pertinho. JOAQUIM PEDRO DE ANDRADE fez um filme-entrevista no quarto do poeta, “última bênção do beco”...

3--SABOROSA BIOGRAFIA – Na visão do amigo JOÃO CONDÉ, que na revista “o Cruzeiro”, seção ‘Arquivos implacáveis’, resumiu gostos e desgostos do poeta namoradoríssimo (morreu solteiro aos 81 anos) Dessas tendências, alguns itens: “altura 1.68, colarinho 40, sapatos 39; míope, se sentia infeliz por usar óculos; acorda às sete e meia, deita-se à meia-noite; gosta de criança e animais, sobretudo cachorro; não gosta de abiu, caqui e melancia; é contra regimes totalitários, seja da direita ou da esquerda, e a lei do inquilinato; não requintado, gosta de jiló, cinema falado, rádio e poetas de segunda ordem; não tem religião, porém simpatiza com o catolicismo; gosta de BACH, HAYDN e MOZART; gosta de todo gênero de leitura, sem predileção; medo de ter medo na hora de morrer; não tem secretário nem criado, prepara seu café da manhã, faz muito bem sorvete de café e doce de leite; gosta da solidão; não se casou porque perdeu a vez; ri com facilidade porque é dentuço; em matéria de poesia, é o anti-VALÉRY; acredita e confia na inspiração, acredita na reabilitação do lugar-comum; costuma veranear desde 1914 em Petrópolis; coisas que mais detesta: fila, responder a enquêtes’, dar opinião sobre os pardais novos, esperar retardatário, fazer plantão em guichê, viajar de trem etc.; gostaria de morrer de repente, em casa.” // Driblou a morte – Internado em Cladavel, na Suíça, deram-lhe mais três anos de vida. Viveu mais 55.

4--ELE POR ELE – “LIBERTINAGEM contém meus poemas de 1924 a 1930, anos de maior força e calor do movimento modernista. (...) Quando eu morava na rua do Curvelo, num momento de desânimo, aguda sensação do que eu não tinha feito na minha vida por motivo da doença, saltou-me de súbito do subconsciente o grito estapafúrdio “Vou-me embora pra Passárgada”. Sentina redondilha a primeira célula de um poema, tentei realizá-lo, fracassei, abandonei a ideia. Anos mais tarde, outra vez desalento e tédio, ocorreu o mesmo desabafo da evasão da vida besta , desta vez o poema saiu sem esforço, como se já estivesse pronto dentro de mim. Gosto desse poema porque vejo nele em escorço (esboço, resumo, síntese) toda a minha vida.”

5--ANALISANDO – Condição única é ser amigo do rei. PASÁRGADA é o mundo do sonho e da ilogicidade, onde se pode realizar tudo (não implica nada excepcional, mas para o eu-lírico assume aquela dimensão devido às limitações impostas pela doença do poeta). “Aqui eu não sou feliz”, realidade concreta do poeta, atividades inalcançáveis para um indivíduo doente; “lá”, identificação da terra do sonho da fantasia... / O mecanismo de evasão foi comum no Romantismo. Antíteses lá X cá, quanto ao espaço: para GONÇALVES DIAS, o “lá” é o Brasil, e o “cá” Portugal; para BANDEIRA, o “aqui”é o espaço atual de sua vida, o “lá”, Pasárgada, anseios de natureza material, paraíso utópico. A evasão no tempo,”Que no tempo de eu menino”, remete ao mundo infantil de “ouvir histórias” (ficção, fundamental em estórias = evasão da realidade concreta). / A realidade de Pasárgada não obedece à lógica: Rosa, a que o eu-lírico faz alusão, foi a babá do poeta e ele agora chama a mãe d’água (versão da sereia que seduzia marinheiros com seu canto para que a seguissem e morressem no fundo do mar) para lhe contar estórias – Joana, a louca de Espanha, contraparenta?

6--PARÓDIA – imitação humorística de uma obra séria. Um queria “fugir para”; outro quer “fugir de: MILLÔR FERNANDES fez um poema que se inicia assim: “Que o MANUEL BANDEIRA me perdoe, mas... VOU-ME EMBORA DE PASÁRGADA” – Revista “Isto é”, 15/5/67. Pesquise, caro leitor.

NOTAS DO AUTOR:

1-CORREIO AFETIVO – Rio, Jornal O GLOBO, 12/6/94 – Armação de Búzios ou simplesmente Búzios, município da microrregião dos lagos, no RJ (Estado). Antiga pacata aldeia de pescadores. Incremento de turismo a partir de 1964. Praias paradisíacas.

2-Pesquisem os poemas “Última canção do beco”, de MAUEL BANDEIRA,25/3/1932, e “Lapa de Bandeira (quintat=rima)”, aqui é VINÍCIUS DE MORAES.

3-Beco dos carmelitas (hoje rua Morais e Vale) – No bairro da Lapa do Desterro ou simplesmente Lapa, centro do Rio de Janeiro.

FONTE:

Livros didáticos // “Manuel Bandeira, a fonte de todos”, por José Guilherme Merquior e muitos outros: duas páginas inteiras dedicadas ao poeta na data de seu aniversário – Rio, JORNAL DO BRASIL, 20/4/86.

FIM