A BANDA DOS SAPATEIROS
Não foi à toa que o nosso grande Chico Buarque imortalizou-se na MPB, quando aclamado em delírio pela multidão, entoou os seguintes versos e acordes: “estava à toa na vida, o meu amor me chamou, pra ver a banda passar, cantando coisas de amor”. A famosa canção intitulada “A banda”, não só foi classificada no festival, como ainda até hoje é cantada e, identifica o autor como um dos nossos monstros da MPB.
Chico Buarque, dentro de sua ótica intelectual e ao mesmo tempo utilizando a letra de sua música num português coloquial, definiu com maestria genial o que é realmente a Banda, ou seja, um grupo de músicos que reunidos animam festejos, comemorações, e eventos diversos, tocando: dobrados, marchas, polcas e outros ritmos alegres. O que é peculiar e difere a banda de música, é o fato da equipe, ou seja, os músicos, deslocarem-se em formação indiana: dois por dois, três por três, dependendo do número de participantes, pelas ruas, acompanhando procissões, blocos, fanfarras, reisados, enfim, seja qual for o evento que a mesma estiver animando. E quando e por onde a banda passa, vai chamando atenção. Todos param, olham, escutam, pois a música da bandinha tem um quê de magia e sedução, que a todos comove.
Tenho na memória saudade especial da banda que durante uma época, até mesmo por ser a única, animava os festejos da terrinha, principalmente a festa do Padroeiro – Bom Jesus dos Navegantes – quando ainda datava do dia 6 de janeiro. A minha bandinha (permitam-me a possessividade, é de cunho apológico), que denominei “bandinha dos sapateiros”, visto que todos ou pelos menos 90% dos participantes eram sapateiros de profissão, ou já haviam militado nesta arte. Assim era a formação da bandinha de sapateiros: no piston – Truaca, no trombone de pista – Raimundo Aristides, no trombone de varas – Benone, na tuba ou contra baixo – Sr. Tasso, na trompa – Zé Ribeiro, no sax – Antonio Basilio, no clarinete – João Brito, instrumentos de percussão – bumbo acoplado com pratos – Cabeça, e no tarol – Fransquim Brito.
Salvo engano, ou ocasional lapso de memória deste escriba, visto que o decorrer dos anos a isto acarreta, era esta a formação da banda dos sapateiros. Requisitada esporadicamente sempre que havia necessidade, esses artistas reuniam-se, e estavam prontos para o que desse e viesse; não havia tempo para ensaios, pois, como já foi citado anteriormente, todos tinham sua profissão (na grande maioria sapateiros). Mais que pela necessidade, tocavam por amor à música, e que música divina tiravam de seus instrumentos (surrados e de propriedade de cada um). Nas procissões e novenas do Padroeiro, ali no coreto da praça, ou no adro da Igreja Matriz, lá estava a bandinha a entoar seus dobrados, marchas, polcas, atraindo os presentes com seus acordes maravilhosos.
Reflito hoje, ainda incrédulo, como aquelas mãos rudes e calejadas, conseguiam manusear tão magistralmente aqueles velhos instrumentos, e deles tirar tão belos acordes que a todos encantavam. De lá para cá, muito tempo se passou! Tive oportunidades de ver e ouvir muitas outras bandas que vivem ensaiando com seus maestros. É claro que ainda hoje me emociono quando vejo a banda passar, mas aquele som mágico e único da bandinha dos sapateiros, eu tenho certeza que partirei sem mais ouvir, até mesmo porque Deus já chamou quase todos para compor sua lira celestial.
Outro pormenor interessante, é que na bandinha não existia a figura do maestro, todos eram (perdoem-me o termo) autodidatas da música. Bastava reunirem-se, trocarem algumas informações e pronto, estavam afinados. Ainda hoje como diz Chico Buarque, “ainda corro pra ver a banda passar, cantando coisas de amor”, mas quando às vezes estou à toa na vida, ainda também escuto os acordes da minha velha bandinha, através do rádio do coração, em sintonia com a saudade imorredoura que para sempre terei da eterna e inigualável “BANDA DOS SAPATEIROS”.
Ignácio Santos