O TERNO AZUL
Há dias que eu estava dependurado no cabide... - Enfiado num terno azul que comprara para ocasiões importantes (uma peça barata, é bem verdade; mas, também, de muita estima). Morava num apartamento de sala e quarto, numa cidade conservadora do interior. Não costumava sair nem que fosse para espiar à porta... Apenas, fantasiava. E não chegamos a ir muito longe vivendo de ilusões. Ainda mais, estando preso a um cambito de guarda-roupa - Vestido num terno azul, comprado numa liquidação.
Não obstante, imaginava um bom motivo para descer dali, mesmo cheirando a naftalina... Mas, para imitar as pessoas da terra, com as expressões carrancudas de quem odeia o mundo?. Isso, não. O motivo teria que ser mais criativo. E, o que inquietava o meu coração, era que não havia convites. É fácil se esconder; basta não mais querer viver. Podia envelhecer naquele terno azul... - que ninguém iria notar.
Na última vez que saímos (eu e o meu terno azul) fomos a um passeio. Talvez tenha sido a maior distância que eu já percorri. Na realidade, não era um percurso ordinário: dezenas de pessoas seguiam um enterro - Em direção ao ponto onde tudo termina. - E velas; e cânticos; e orações... - Alinhavavam o panorama. Era como se fosse a minha própria caminhada fúnebre - Só que para dentro de mim mesmo. As mãos atadas às costas; um leve sorriso no rosto; o queixo colado ao peito... Queria gargalhar na cara da vida, mesmo com a afoiteza da demência. Mas, não ia adiantar grande coisa. Ganharia, apenas, uma oponente. E ter a vida como inimiga é um mau negócio. Ela é astuciosa. Mas, não posso negar que é colorida; tampouco que é mágica; menos, ainda, que é transitória. E, se juntarmos tudo, temos uma borboleta.
"Então, pintei de azul os meus sapatos
por não poder de azul pintar as ruas,
depois, vesti meus gestos insensatos
e colori as minhas mãos e as tuas.
Para extinguir em nós o azul ausente
e aprisionar no azul as coisas gratas,
enfim, nós derramamos simplesmente
azul sobre os vestidos e as gravatas.
E afogados em nós nem nos lembramos
que no excesso que havia em nosso espaço
pudesse haver de azul também cansaço.
E perdidos de azul nos contemplamos
e vimos que entre nós nascia um sul
vertiginosamente azul. Azul".
(Soneto do desmantelo Azul - Carlos Pena Filho)
O tempo abria-se num sorriso de verão. Reparei que o meu terno azul de tabuleiro, continuava insensível. Mas, sentir compaixão seria muito cruento. Então, fiz disso, a minha preferência, para não ter que idear. Resignei-me... - Quem sabe, à espera da dignidade. - Assim como o meu terno azul.