O CARNAVAL NÃO SE REINVENTOU

Abrindo o relicário de minha tia Ninita, encontro-me com aquelas figuras que compuseram o "Corso da Rua grande". A caixa de antiguidades revela o desfile fantasmagórico de uma época sem graça. Todo carnaval é triste. As moças adornadas de fitas e lantejoulas, eram elas mesmas... - Por mais que se travestissem de suas personagens favoritas. Aaprisionados naqueles retratos esmaecidos estão condenadas eternamente ao estereótipo. E não há muita originalidade em "imaginando ser". A cara nua é a mais autêntica das fantasias, enquanto que as máscaras assombram a si mesmas. O enredo de todos os carnavais representa a banalidade: "Eu me permito". As mágoas viraram dores. E, os amores, fúteis. O carnaval é o espelho de todo folião. Panfleto da extravagância... - "Ô abre alas que eu quero passar..." Nos bailes, a mesma ilusão. Eu era o dito-cujo que minha mãe quisesse... - E fui pierrô, por diversos carnavais. Não há poesia em nenhuma geração. Somos induzidos às danças pornográficas encenadas à exaustão das idades. A inocência nunca existiu. Insistimos nas lembranças que acreditamos ser puras. Mas, em tudo há malícia. E vemos essa “ingenuidade” dá lugar à brutalidade dos trios elétricos. E se antes eu não queria enxergar... – Era por ignorância. Os monstros sempre foram os mesmos. Gigantes serpenteado pelas ruas de sortilégios. E atrás deles uma multidão de coxos, marchamos sob a bênção do “permitido”. Não há recompensa que valha o esforço. O carnaval é uma festa sem sentido: existe apenas para nos dizer o quanto somos ridículos. Da mesma forma que há miscigenação, há falsos moralismos. Em todas as modinhas: o sexismo, a homofobia, o preconceito, a intolerância. No carnaval, triunfa o anonimato; é uma caricatura apócrifa. Vejo alguém mijando no meio da rua. É a embriaguez da vida. Vida de adereços-cinza. "Oh, quarta-feira ingrata, chegou tão depressa só pra contrariar..." O carnaval imprime uma consciência às avessas, idiotizando-nos o quanto pode. E quando cai essa máscara a realidade nos diz mais feios. Esses estandartes são mesmo apólogos do tempo: uma alegria ao contrário... - E a vida desconsidera a passagem dos blocos. O carnaval não se sustenta em nenhuma cultura. Ele reparte a carne do espírito. Já os pecados... – Pertencem às suas épocas, não aos foliões. O carnaval não se reinventou. Não crio polêmica; renovo as ilusões.

Misael Nobrega
Enviado por Misael Nobrega em 20/07/2016
Reeditado em 09/02/2024
Código do texto: T5703089
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