Tradutor de animalidades

João Vítor tem sete anos. Dias patrás, João Vítor me disse que a poder trocar de corpo queria ser gato: brincar, comer e dormir é tudo o que importa, filosofou sobre as essencialidades temporais da infância. No almoço de ontem, o imaginário de João Vítor me indagou: O que você inventaria se pudesse criar algo inexistente? Um varal de sonhos suspenso em árvores, respondi. E você? perguntei. Um tradutor de animalidades, asseverou sem qualquer engasgo. Assim, emendou, comuncaríamos melhor com os animais! A resposta de João Vítor mostra que ele percebe que os animais têm linguagem. Evidencia que ele identifica essa linguagem como distinta da humana. E deixa claro o desejo de compreender melhor essa linguagem. João Vítor não disse que nossa linguagem é superior à dos animais. Suspeitei, sem perguntar, que colocou a tradução a serviço dos humanos porque teríamos menor sensibilidade para compreeender as múltiplas "línguas" dos animais. João Vítor é zoopensante e confirmou minha hipótese quando hoje, em passeio com o pai, ligou-me e pediu que eu ativasse o viva-voz do telefone, para que falasse com Mozart e Florbela. Eu atendi seu pedido e ele falou aos gatos, que lhe deram ouvidos. Sua voz era sentida. Eu diria até compreendida, tomando-se compreensão por um fenômeno para além dos signos e ismos da razão. João Vítor dizia estar com saudade e Mozart fechava os olhos, como se acariciado pelo som enquanto Florbela ronronava. João Vítor sente que os gatos o sentem. João Vítor é zoosentinte e zoocomunicante. João Vítor é gássaro, nascido do útero de uma árvore. A imaginação de João Vítor tem pedigreen.