ANDA-SE COM ELAS, SR. ROCHA. ANDA-SE COM ELAS!

Um dos mais destacados membros da banda do Grémio Artístico Thyrsense era o hábil clarinista António Joaquim Carneiro, o “MARIANITA”.

Com seus filhos foi um dos melhores executantes da banda, onde tocaram, além de outros, o “Mestrinho” e o “Corcunda”.

O Grémio funcionou durante trinta anos no edifício onde actualmente está a Auto-Ras Pneus, na praça Conde de S. Bento. Andava em construção, este edifício, em 1893 e deveria ter gabinete de leitura com os melhores jornais portugueses e estrangeiros.

Em 5 de Julho de 1903, aquela banda fundiu-se com os Bombeiros que se transferiram, então, para esse edifício, vindos da rua lateral.

A banda do Grémio deu muitos concertos nos coretos das praças e a Câmara alugava cadeiras ou “poisos”, em dias de música, a 30 reis por cabeça, debaixo de muitas críticas: “Neste marchar nada nos surpreende se amanhã virmos pelas esquinas, à imitação das caixinhas das almas, umas caixinhas com um dístico, implorando da caridade pública uma esmolinha para ajudas das despesas do concelho ou para pagar aos padeiros qualquer fornecimento de rosca eleitoral.”

A vida, em Santo Tirso, foi sempre de uma pacatez impressionante. Qualquer pequeno distúrbio fazia com que os tirsenses ansiassem pelo relego da normalidade.

Deram-se uns tiritos nos outeiros marginais ao rio Ave, durante as lutas liberais. As feiras francas anuais, realizadas em dias festivos, conseguiram, muitas vezes, ultrapassar em brilho os rotineiros mercados semanais, porque o povo costumava sortir-se para o ano todo de tecidos e outros bens não perecíveis. Durante a vida do Conde realizaram-se umas festas a S. Bento que trouxeram à vila milhares de forasteiros, alguns tripulando um balão. Certos carnavais tirsenses tiveram renome por todo o norte do país. Os bailes de Verão da Casa de Chá quase chegaram a fazer furor, mas foram fogo-fátuo.

O que os tirsenses sempre gostaram foi de se juntar, em pequenos grupos, cavaqueando. Poderiam ter usado a célebre alfaia do marceneiro, mas no botequim do Friães, com bilhares e loja de barbeiro, no café Aurora e no Progresso, no salão dos bombeiros, na farmácia do Alexandrino, no Jacinto Ferreira, à porta da Marizé, na pensão da Sê Laurinda, no Silveira, no Rato ou no Caroço, sempre se juntaram brigadas de conversadores.

Os homens que privilegiassem o “tufa-tufa béu-béu” demandavam outras paragens: em Santo Tirso, chegou a haver vinte e seis tabernas!

Até a oficina do macanjo Alberto Marianita, durante anos, reunia alguns rapazes divertidos.

«Havia uma revista em que entrava o Alberto Marianita. Esse era um sapateiro onde é a casa Paciência, na Praça Camilo Castelo Branco», contaram.

«Ali, eram tudo casas térreas até à casa que era da nossa prima Rosa Cruz que está muito em ruínas. Eram tudo casas baixas de rés-do-chão e ele morava mesmo no lugar onde está essa casa Paciência.»

«Era um sapateiro que era “chapa ganha chapa batida”.»

«Ele – o Marianita – fazia anos todas as quartas-feiras.

– Eu faço anos todas as quartas feiras. Nasci no dia da feira de Famalicão, dizia.

Deitava meias solas e, para ir buscar as meias solas ao Fontes, calçava os sapatos do freguês. Ia, tirava um sapato do pé, tirava a medida da sola, a altura de botar meias solas e a vida dele era aquela.

Tinha piadas muito boas e como ele tinha piadas muito boas, o nosso primo saía do escritório e ia para ali, onde passava o tempo.

Às vezes chegava lá um tipo, batia à porta – ele estava a trabalhar – e chegava lá um pobre e ele começava logo com esta piada:

– Quanto é que está aí?

– É um pobrinho velho. (É natural que sendo popular à época pronunciar “emprovecer” no sítio de empobrecer, também não admira que a visita tenha proferido “provinho” velho, ou, melhor, “probinho”!).

- Beba novo, seu sacana! – trovejou o da sovela. O dar dói e o chorar faz ranho!

O pobre ouvia aquilo e punha-se a mexer.

Há quem diga que a localidade de Provesende, no concelho de Sabrosa, teve o seu nome originado da corruptela de pobre em «prove».

«Uma ocasião qualquer havia o capitão Salvador Guimarães, que era o mestre da música de Infantaria 6, veio para aí e tomou conta da confraria dos Senhor dos Passos e, como não tinha que fazer, pegava no livro debaixo do braço e ia fazer a cobrança dos irmãos do Senhor dos Passos… acho que se descobria ao passar pelas alminhas e ajoelhava às cruzes que encontrava nas veredas.»

O primo e os amigos estavam lá, na oficina do bate-solas e ele entrou e:

– Boa tarde, mestre.

É que esse Alberto Marianita também era músico, tocava clarinete.

– Boa tarde, senhor capitão. Como passou?

– O senhor não é irmão do Senhor dos Passos?

– Não, eu sou irmão do Carlos e da Carolina.

– Ó mestre, é que eu venho cobrar.

– Mas a mim não. Cobre a quem quiser. Eu só tenho o Carlos e a Carolina e mais nenhum irmão.

Isto era constantemente.

Uma ocasião o Cândido Rocha, pai, que sofria muito dos calos, usava sempre umas botas de chagrin pelas quais tinha uma estimação medonha:

– Ó mestre! Vê lá, não me estragues as botas!

– Ó sr. Rocha, por amor de Deus, eu vou já buscar as solas.

– Olha que eu tenho um bocadinho de pressa delas, porque eu tenho aqui umas, mas são novas – comprava sempre aquilo no Porto – mas são novas e estão a magoar-me.

– Pronto, pronto, senhor Rocha, de caminho pego nelas.

O riso do primo, como ele o mordesse entre os beiços, rebentou-lhe pelos narizes… estúpido espirro que quase ia desmascará-los frente ao Cândido. Eles punham-se muito sérios e, lá dentro, recomeçava a risota.

– Vê lá as botas – ainda juntou o sr. Rocha.

– Amanhã está pronto, senhor.

Mas o sr. Rocha tinha mais dois pares de sapatos.

– Bem te entendo, mas não tenho copas! Tu tens muito dinheiro e tens muito calçado – cacarejou o artista. – Amanhã, amanhã! – gritou a ponto de ser ouvido pelo cliente.

O Alberto Marianita, que tinha acabado de acepilhar meias solas d’oitro, calçou as botas do Cândido Rocha para ir pelas solas ao Fontes.

«O Cândido Rocha entrou pela porta dentro – nunca me posso esquecer, eram 3 horas e meia da tarde… isto num Sábado… – entrou pela porta dentro a dizer que queria as botas porque ao outro dia tinha um casamento, que queria as botas.»

– Ó mestre, já estão prontas as minhas botas?

– Anda-se com elas, senhor Rocha, anda-se com elas, anda-se com elas. Esteja descansado, senhor Rocha, hoje ainda descalço as botinhas na sua casa.

«Eles dizem que passavam lá bocadinhos, mas bocadinhos agradáveis.»

ANTONIO JORGE
Enviado por ANTONIO JORGE em 15/07/2016
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