A Era da Impaciência
Em dia comum tudo parece comum, mas não, não é. Depende dos olhos que quem vê... Não era rotineiro, mas foi natural ter de levar minha namorada ao ponto do ônibus para que ela embarcasse em direção ao co-légio. Fomos conversando assuntos diversos, até que chegamos. No ponto, apenas uma senhora que esperava uma menininha que vinha da escola e nós. Pouco depois a senhora partiu, após a chegada da menina e fica-mos nós.
[...]
Aos poucos o ponto fora enchendo: estudantes, trabalhadores, enfim... Dado momento, uma moça e uma criança desembarcou de um carro, haviam ganhado carona até ali. Crianças sempre me chamam atenção. Estou me graduando em História e a educação me desperta interesses peculiares. Pois bem, notei nas mãos daquele jovem curioso um livro, onde ele, sílaba por sílaba, juntava até formar a palavra escrita (estava sendo alfabetizado, na escola), juntava palavra por palavra, dessa forma, até formar a frase e descobrir a mágica que era ler. Como qualquer um ainda a descobrir o universo da leitura, esbarrou em dificuldades e confiou na mãe para o ajudar, o que não fora atendido tão prontamente. Ela, argumentando, disse para que guardasse o livreto para ler em casa, com tempo. Mas a criança, com fome de aprender – e falando assim recordo-me de Rubem Alves em “A Arte de Produzir Fome” – não satisfeita, continuou a tentativa e a pedir ajuda. No-vamente, a impaciência da mãe falou mais alto e, ao notar que eu os observava, prestou a gentileza de orien-tar aos poucos o guri faminto de aprendizado. Entre uma pergunta e outra, a mãe exasperada soltou: “- Estou muito cansada, menino... Trabalho há 24 anos com educação infantil, não vejo a hora de me aposentar...”, Falou para mim. Fitei e tentei digerir essa fala. Vi a fome do guri e a falta de interesse da mãe em alimentar sua cria. Ela que provavelmente alimenta, ou pelo menos deveria alimentar as crias de outros pais, sem estí-mulo para alimentar sua própria cria. Fiquei a refletir.
Era um livro infantil, de poucas palavras e muitas cores. O livro propunha uma “mágica” em cada trocar de página. Cada texto era uma indicação do que fazer, para que, quando virasse a página, a magia estivesse pronta, para o brilho dos olhos daquela criança. A inocência encantadora daquela criança tão pura, sem ter se contaminado com as maldades e maledicências do mundo em que vivemos me trouxe à tona a realidade em que vivemos: vivemos a “Era da Impaciência”, onde a dádiva da inocência passa por cafonice, ignorância e outros termos que para alguns servem para descaracterizar a essência da vida. A inocência pinta rosas sem espinhos, para que o mundo seja sem dor. Faz um sorriso surgir, mesmo quando um perigo em potencial está diante dos olhos. Eu costumo ter fé nas crianças por isso. Por ver nelas a chave da mudança de um mundo impaciente, intolerante e doente.
Antes que o ônibus chegasse o guri terminou o livro e se contentou por isso, para a alegria da mãe que pôde guardar o livro e embarcar no ônibus sem ser acionada para ler tal ou tal palavra. Talvez ele tenha se saciado. Mas espero eu que momentaneamente. E que ele sempre encontre alguém que sacie sua fome de aprender. E que existam pessoas prontas para saciar a fome dos guris.