Velha conhecida

Há tempos não a via. Balançou os braços inquieta, de modo que eles, ao fim, estabilizaram-se sob sua coxa. Varri meu olhar sob seu corpo e percebi o quanto ela tinha crescido: as formas arredondadas tomavam conta de sua estrutura e a tornavam adulta demais para sua idade. Era fato que a áurea jovial e pura não a abandonara; pude contar mentalmente todas as vezes que ela corou e retraiu-se diante minha perceptiva curiosidade. Falou poucas vezes e na maioria delas citava a filha que completara 1 ano recentemente, ou dos planos para o futuro onde eu não estava incluída. Decerto eu a amava, mas não sabia o porquê nossa relação parecia tão estranha, desconectada. Fingi falso ânimo e tentei distrair-me com o cardápio, ou com os clientes que adentravam a cafeteria.

"Certo. Já consigo ver o céu escurecer, acho que nossa conversa vai ter seu término outro dia", falei rispidamente.

"Tudo bem. Podemos marcar para você ir conhecer a filha de sua amiga -se é que eu ainda sou-, ela já tem um ano e ainda não recebeu uma única visita", pronunciou entre intervalos de risadinhas maléficas que atingiram-me em cheio.

"Possuo vontade de conhecê-la, ando muito ocupada porém não renego minha ausência. Quanto a você, lembra- se onde moro? É no mesmo local de sempre, poderia confirmar comigo caso atendesse minhas ligações", rebati.

"Sim, sei. Algum dia desses passarei por lá", forçou um sorriso que todos seus músculos da face tiveram trabalho para movimentar-se. O último período de sua frase é aquele que corriqueiramente aparece nas conversas de velhos conhecidos: O dia que nunca chega, a data que nunca se estabelece. Acenti, olhando para baixo, decretando por fim, a morte de uma relação verdadeira. Estremeci quando a vi saindo pela porta ao lado, e permaneci imóvel, encarando meu café. Havia muita culpa em tudo aquilo, e eu admitia parcela dela. Enclausurei meus pensamentos ao lembrar que o amor não morre, e suponho que essa é uma convicção clássica do ser humano. Entretanto, ele esfria, assim como o meu café naquela tarde nublada, tentando metaforizar meus sentimentos póstumos.

Isadora Franco
Enviado por Isadora Franco em 15/07/2016
Código do texto: T5698174
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2016. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.