CONCERTO PARA A MORTE
Vejo corpos mutilados, todas às vezes, em que folheio os jornais diários. Os vermes pululando o escatológico anônimo... - E as rotativas a todo vapor. É a reprodução do fato, quase sempre de enredo banal; não o chamamento à indignação. Uma bala na cabeça, acompanhada de um violino... – como pano de fundo... – seria roteiro de uma bela morte, por quanto for levada a efeito à sonata de Vivaldi.
O que ainda me faz resistir à tentação? A certeza de que serei festejado nas páginas de um tabloide, em forma de retrato. E isso é tétrico. A frigidez do papel, amarelando... – É o esforço da alma para fugir das letras. Àquelas mesmas que descreverão a mentira (lacônica) do que eu fora. A minha vida, em três ou quatro linhas sensacionalistas. – Um processo semelhante ao da carne em putrefação... – Embora os bichos citados primeiro devorem a consciência do mundo.
E se é assim, uma certeza... – prefiro me apegar à dúvida. Quanto ao esquecimento? Não há consolo melhor. Ele se encarregando da reminiscência dos estúpidos – E os tipos que inventei sendo enterrados comigo. Não permito que transplantem as minhas partes. Elas serviram apenas aos meus propósitos... – Como súditas devotadas de uma vida miserável. Além do mais, quem iria cobiçar um alargamento de mim?
Se não tiverem pudor, quanto ao meu corpo nu, gostaria de ser ruminado - Sem a casca que reveste as serpentes. Não há algo mais dispensável que uma vestimenta de cadáver. Quando me assentarem à sepultura, arregalarei os olhos e testemunharei o meu próprio dessecamento (presenciará o nefasto, alguns poucos entusiastas); e igualmente contarei as estrelas, uma infinidade de vezes... - Até que cheguem a algarismos inimagináveis.
De nada adiantará rogarem para que os Santos venham em minha defesa. Eles estarão ocupados com os seus próprios disfarces. Aguento-me, ainda; só não sei até quando...