Hector Babenco (in memoriam)
Foi em 2012 – São Paulo. Estava pra rolar uma Mostra DOC cinematográfica sobre gastronomia e eu estava por lá (não me recordo muito bem o motivo da viagem em questão), penso vagamente que estava a trabalho no Renaissance São Paulo Hotel, talvez cursando ou simplesmente fuçando os ramos da gastronomia, como sempre o faço. Fiquei curioso sobre a tal Mostra mas não tinha muita informação a respeito do que se tratava exatamente, e fui averiguar. Certo é que a Mostra gastronômica se deu no Cine Livraria Cultura, no Conjunto Nacional da Av. Paulista (um lugar de que gosto muito e não é de hoje). Para mim é um lugar com certo aroma de bons tempos: "cheiro de pipoca, sorvetes e filmes na faixa". Acontece que eu frequentava a Paulista desde muito pivete para assistir a filmes de graça por conta de que o meu padrasto era o cara, além de ser, também, o gerente do cinema (hoje extinto) que havia no primeiro piso do Conjunto Nacional. Era uma sala de cinema bem frequentada tida como referência de bons filmes para a época, muito provavelmente o mesmo onde aconteceu a Mostra DOC, não sei bem ao certo. Enfim, nostalgia; momentos bons e preciosas recordações juvenis.
Passar em São Paulo por mais breve que requer o motivo da minha visita, não importa, sempre vou ao Conjunto Nacional, é uma regra interna matar o tempo por lá, seja para tomar xícaras e mais xícaras de café, seja para ler livros, passear simplesmente por hábito salutar ou enfim, me conectar à memoria de momentos inesquecíveis vividos ali - tenho dessas recaídas nostálgicas frequentemente, em nome de momentos íntimos que não deixo de vivenciar comigo mesmo, bem à toa e sozinhão, e de preferência sem ter que ter por que.
No dia da tal Mostra Gastronômica, cogitei a ideia de que pudesse ser um evento do tipo acesso "publicão", e foi quase. Quando a coisa começou foi que tomei conhecimento de que não era bem assim, estava mais pr'uma "reunião íntima" entre amigos mais próximos de Babenco e elite - eu era o supetão da corte. Rolou uns ingressos pra entrar, mas eram limitados, obviamente. Filmes e mais filmes começam a rolar na tela, são documentários e curtas-metragens relacionados a formas de produção e consumo de alimentos de várias partes do mundo, alguns dos quais jamais estarão disponíveis na internet. São relíquias e relatos, digamos, históricos, sobretudo inéditos.
Entre um filme e outro, uma pausa, papo e filme que segue. No fim do evento houve por certo uma aglomeração no hall de entrada, notei que eram em sua maioria amigos e conhecidos, incluindo alguns artistas e ninguém parecia muito afim de ir embora, tampouco eu. De repente chega Babenco e Bárbara Paz, fico mais perdido ainda. Sem entender absolutamente nada me pergunto mentalmente: "será que a Mostra é dele"? Veremos!... Tomei coragem (que já não era lá grandes coisas) e me aproximei. Pergunto a Babenco sobre o projeto, de onde surgiu a ideia etc. Conversamos um bocado, até estranhei tamanha gentileza para com um supetão: "eu era o cara". Sempre muito educado e requisito por todos que estavam ali, seria ótimo, também, eternizar mais um grande momento naquele que é um velho e conhecido local de minha infância e de quebra consigo uma foto com Babenco, não fosse o fato infeliz de não anotar o contado do fotógrafo, perdi a foto. Mas, tudo bem, levo em minha memória. Acontece que o evento nem era dele e sim organizada pela HB Filmes e apoiada pela Università di Scienze Gastronomiche, da Itália, a Mostra DOC Gastronômica era de curadoria e sócia da HB Filmes, Janka Babenco, e a outra filha dele também estava no meio, uma moça super gente simpática, me aproximei, muito atenciosa comigo, conversamos, mais uma foto com ela e mais uma foto que não levei. Mas, tudo bem, tá na caixola. Talvez a forma como o conheci, talvez o momento, talvez o local ou modo como Babenco me recebera no evento fez uma enorme diferença e desde então passei a admirá-lo com zelo artístico e imediata inclinação. Em si tratando de artistas e figuras notoriamente populares, é estranho dizer que a perda de alguém cujo não conhecemos nem pessoalmente, nem por um breve momento que seja, pouco importa pra gente, esta é a mais pura (por mais que doa) e ingênua verdade. De fato não há como ser diferente, isto é, quando não se conhece alguém pessoalmente e esta pessoa um dia morre, não sentimos tanto ou não se sente nada. Vira um tanto faz quanto indiferente; vira tópico de jornal conveniente.
Acontece que Babenco havia realizado um transplante de medula nos idos de 1990 para tratar um linfoma linfático, experiência que resultou no filme autobiográfico "Meu Amigo Hindu" (2015), sobre um diretor chamado Diego, que descobre um câncer em estado terminal. Quando confrontado pela Morte (Selton Mello), ele expressa só um desejo: realizar mais um filme. Pois bem. Desejo atendido com sucesso, isto porque Babenco morreu nesta quarta (13/07/16) aos 70 anos. Foi "Meu Amigo Hindu" o último filme de Babenco, ironicamente. É a vida mais uma vez imitando a arte, levando um grande nome e mais uma enorme perda para o Cinema Nacional.
R.I.P Babenco