Ninguém Acende a Lâmpada


A iluminação da sala não está boa, prejudicando as vistas – disse um funcionário.
  Esta reclamação foi repetida diversas vezes pelos funcionários do Departamento de Contabilidade da Inber – Indústria de Produtos de Beleza Realce.
   Contudo, o Chefe do Departamento, o Sr. Rinoceronte, jamais levava em consideração tal reclamação. Para ele tudo aquilo não passava de artimanhas de funcionários relapsos e preguiçosos, para justificar os trabalhos atrasados, coisa terminantemente proibida pelo Dr. Hipopótomo, gerente geral.
   “Se vocês trabalhassem mais e reclamassem menos as coisas não estariam como estão”, repetia o Chefe todas as vezes que alguém insistia em reclamar de alguma coisa. Mesmo a precária iluminação do escritório, que era sentida por todos, não escapava à terrível observação do Sr. Rinoceronte. Os funcionários voltavam calados e resignados aos seus postos, pois, diante de tal argumento, ficava impossível provar ao Dr. Hipopótomo a necessidade de melhorar a iluminação e as precárias condições de trabalho a que estavam submetidos. Ele só aceitava argumentos sólidos, seguidos de relatórios.
   Cada um analisava do seu modo o significado do que seriam “as coisas” a que o Chefe se referia. Até chegar o dia em que ninguém ousou mais reclamar da iluminação. Indiferente, a lâmpada continuava o seu trabalho de iluminar o ambiente da forma que sempre fizera. Todos se adaptavam como podiam às condições de trabalho. Cabeça baixa, olhos colados nos papéis. Alguns compraram lupas, mas foram proibidos de usá-las, pois, segundo o Sr. Rinoceronte, elas depunham contra o seu Departamento. Vez por outra alguém erguia os olhos em direção à lâmpada, na esperança de vê-la brilhar.
   Chegou um tempo em que desistiram de levantar as vistas, pois, a Chefia, impaciente com as cabeças erguidas, mandou instalar próximo à lâmpada a frase:
“Se todos trabalhassem mais e reclamassem menos, as coisas não estariam como estão”.
    Chegou um tempo em que a sala mergulhou em completa escuridão e ninguém ousava levantar-se para acender a lâmpada ou ir ao Sr. Rinoceronte expor a realidade. Procuravam executar as tarefas, usando o tato, para localizar os documentos. Por sorte ou por experiência de longos anos de trabalho, as tarefas eram executadas com perfeição, mas sempre insatisfatórias aos olhos do Chefe.
    Ainda assim, dentro de cada um havia a esperança de que a lâmpada voltasse a acender, mas ninguém tomava uma atitude ousada, como de verificar se ela estava com mau contato, ou com a tecla desligada. Mesmo quando um funcionário erguia da cadeira para tentar algo, a frase “se todos trabalhassem mais e reclamassem menos, as coisas não estariam como estão” vinha à mente, fazendo com que o funcionário retornasse ao seu lugar.
   Depois de alguns anos de trabalho ininterrupto, o Sr. Rinoceronte entrou pelo escritório, anunciando que a lâmpada tinha sido substituída.
  Foi assim que os funcionários da Inber descobriram que não precisavam da lâmpada, pois estavam todos cegos.



Do livro Crônicas do Cotidiano Popular ( Edição do autor – 2006). Primeira edição esgotada.

LIVRO, UM PRESENTE INTELIGENTE!!!

Está no ar A Moça do Violoncelo (contos de suspense e mistério) e Estrelas (Poemas), dois livros em um, duas capas com orelhas em papel laminado, 176 páginas por R$25,00 sem mais despesas. Peça já o seu e seja um mencena da cultura popular.